Por que você tem medo de “comer filé mignon”?

A armadilha da segurança.

Renato R Gomes Administrador

Ao longo da vida, é inevitável que vivenciemos situações difíceis, que requerem escolhas ou decisões. O que decidirmos condicionará nosso caminho: será árduo, penoso? Ou leve, gratificante? É muito comum que, intimamente nos sentindo pressionados, façamos algo com fundamento em sentimentos de medo ou preocupações. Afinal, de modo inconsciente, mecânico, seguimos a tendência quase irresistível de dar crédito à nossa razão. O problema, contudo, não é escutar a razão, mas, sim, confundir razão com racionalização.

Via de regra, queremos controlar o futuro. Com base no “conhecimento” acumulado (teorias, conceitos, hábitos, conclusões de experiências, sentimentos vivenciados), imaginamos um possível futuro. Essa projeção mental ou futuro “previsto” busca sustentação em nossa “lógica” pessoal, fortemente influenciada pelo o que não queremos que se repita, segundo o que nosso “conhecimento” nos “ensinou”. Se fiz um “investimento” e “quebrei”, o medo de perder dinheiro outra vez será o fator prioritário que nos impedirá de investir de novo. O fato de a quebra anterior ter decorrido de escolhas imprudentes, pautadas em ganância e pressa, torna-se “irrelevante”. O medo de sofrer, que racionalmente nos cega, obstrui nosso discernimento, nossa capacidade de contextualizar, fazendo com que oportunidades diversas sejam igualadas.

O erro passado, doloroso e incompreendido, nos deixa aprisionados em uma espécie de zona de segurança psicológica. Por não termos gostado da experiência de ter comido bucho, entramos em pânico com a possibilidade de provar filé mignon. Bucho e mignon são carnes bovinas. Ambas são “idênticas”. Daí, nenhuma presta.
Refletindo sobre a raiz dos “problemas” da vida, sinto que está relacionada à intensa influência familiar, social e histórica que recai sobre nós, para “sermos alguém”, “garantirmos o futuro”, “não nos arriscarmos”… Toda a educação, “orientações” e conselhos recebidos moldam a nossa mente, para que possamos ficar “seguros” e ser “bem-sucedidos”. Tomamos entorpecentes psicológicos sem ter a mínima noção. Padrões morais absolutos, crenças embasadas em experiências dolorosas, tradições, hábitos, senso comum. Fomos impedidos, por supostas boas intenções, de nos tornar indivíduos autônomos, com alma. Aprendemos a negar o coração, nossa empolgação, e a endeusar a “lógica”, a razão, por mais ilógica que se mostre. Daí, vida virou sinônimo de dificuldades, inseguranças e sofrimentos. Regra geral, estamos mais para androides do que seres humanos.

Dada a urgência dessa questão, destaco uma passagem do livro  Bashar em Português (IV): “Quanto mais seguimos o entusiasmo, mais sincronicidades surgem. É como sintonizar uma estação de rádio: quando estamos na frequência certa, os sinais ficam claros. A empolgação é o gatilho que abre o fluxo sincrônico.”

Esta é uma questão fundamental. Compreendê-la é acessar a potencial solução de nossos problemas cotidianos, não importando a gravidade do caso.
Parafraseando Krishnamurti, vamos olhar para isso juntos, não como um professor falando para um leitor, mas como dois amigos sentados na margem de um rio, observando a vida como ela realmente é.

O texto fala de empolgação e sincronicidade. Mas vamos mergulhar mais fundo, retirar a terminologia mística e olhar para o fato psicológico real.

A chama da paixão vs. a fumaça da ambição
Lemos “empolgação”. Mas “paixão” me parece preferível. Não a paixão romântica ou sexual, mas, sim, uma intensidade, um amor tão profundo por fazer algo, que o “fazer” torna-se a própria recompensa.
O texto diz que, quando seguimos isso, “os sinais ficam claros”. E por quê? Não é mágica. É porque quando a gente adora o que faz, não há conflito interno, íntimo, entre sentimentos, pensamentos, ou pensamentos e sentimentos. Nossa mente não está dividida entre “o que eu sou” e “o que eu deveria ser”. E onde não há conflito, há uma inteligência imensa, como ensinava o mestre e filósofo. Quanto mais jovem aprendemos isso, melhor a qualidade de nossas vidas e nossa paz de espírito.

Para o jovem (o peso da escolha)
​Os jovens carregam “mochilas pesadas” que seus pais e a escola coloca(ra)m em suas costas. Eles dizem: “Você tem que ser médico ou advogado; dá dinheiro.”;“Se fizer fonoaudiologia, vai passar fome.”; “Você tem que fazer algo para ter segurança.”;“Você precisa ser alguém na vida.”
Ninguém diz ao jovem – já tão intimamente pressionado pelos próprios pensamentos e sentimentos contraditórios e confusos -, para acender-lhe uma chama de vida, que segurança é uma ilusão.

​Se você escolhe uma profissão por medo – medo de ser pobre, medo de decepcionar seu pai, medo de não ser respeitado -, você já começou morto. Vai passar 40 anos numa sala, odiando as segundas-feiras, esperando as férias, anestesiado. Isso é vida?
​A escola “ensina” (condiciona) a gente a competir, a tirar notas, a decorar. Mas ela não nos ensina a olhar para uma árvore, ou a entender quem somos.
​Daí, temos que nos provocar: o que é que amamos fazer tanto, que faríamos até de graça? O que é que, quando fazemos, faz o tempo desaparecer? Se é cozinhar, consertar motos, escrever, ser atleta de artes marciais…, pouco importa: façamos.
​O “segredo”: quando agimos por alegria, empolgação, com “sangue”, ficamos excelentes. E a excelência traz a própria sustentabilidade do fazer. Não temos que buscar o “sucesso”; temos que nos alinhar à nossa vocação, ao que nos estimula e nos deixa vivos, e a competência inevitavelmente virá. Não ter medo de ser “ninguém” aos olhos da sociedade é condição sine qua non para que possamos ser tudo para nós mesmos.

Para o adulto insatisfeito (rico ou pobre)
​Você, adulto, caiu na armadilha, não foi?
Talvez você tenha o carro do ano e o cargo de diretor, mas sente um vazio que nenhuma compra preenche. Ou talvez esteja desempregado, sentindo-se inútil porque a sociedade disse que seu valor está no contracheque. Rico ou pobre, ambos sofrem da mesma “doença”: a comparação. Passamos a vida escalando uma escada, apenas para chegar ao topo e descobrir que ela estava apoiada na parede errada. Trocamos a alegria de viver pela “segurança” (psicológica) e pelo prestígio que infla o ego.

Sobre a sincronicidade, o texto diz que a empolgação é o gatilho. Podemos entender assim: quando paramos de fazer coisas apenas por dever, obrigação, status ou medo, a energia que gastávamos reprimindo nossa alma é liberada. O mal-estar interno é aliviado ou mesmo dissipado.
​Fato: nunca é tarde para mudarmos a mentalidade, a concepção de vida, mas isso exige uma revolução interna. Não uma revolta com armas, mas uma revolução psicológica. É preciso coragem para dizermos: “Não vou mais vender meus dias; vou viver.” Se você está desempregado, veja isso não como um fracasso, mas como uma pausa brutalmente honesta que a vida lhe deu para perguntar: “Quem sou eu sem o meu cartão de visita?”

O que fazer agora? (a verdadeira sintonização)
​A passagem fala em “sintonizar uma estação de rádio”. A maioria de nós está sintonizada na estação do medo e da opinião alheia. O ruído é insuportável.
Para nos sintonizar com a frequência certa, precisamos de silêncio.
​Paremos de perguntar aos outros o que devemos fazer.
Observemos o que nos dá energia e o que a drena. Isso é o fato, e não uma teoria.
Precisamos entender que inteligência não é conhecimento acadêmico.  Inteligência é a capacidade de enfrentar a vida sem medo (medo psicológico).
​Não significa ignorar que seguir a paixão, por si só, não nos livrará dos desafios. Haverá riscos? Talvez. Inseguranças? Provavelmente. Mas estaremos vivos. E um ser humano vivo, desperto e apaixonado pelo que faz, é uma força que o mundo não consegue ignorar. A sincronicidade é apenas a vida fluindo através de nós, sem a barreira do ego.

Referências e sugestões de leitura
Danilo Augusto.Bashar em Português (I,II,III,IV e V).
Erich Fromm. Medo à Liberdade.
G. I. Gurdjieff. Em Busca do Ser.
Jiddu Krishnamurti. A Primeira e Última Liberdade.
Joseph Campbell. O Poder do Mito.
Neville Goddard. A Coleção Completa (em especial, O Sentimento é o Segredo e O Poder da Consciência)
Norberto Keppe. A Libertação dos Povos: a Patologia do Poder.
Viktor Frankl. Em Busca de Sentido.