O golpe invisível: a mente que bloqueia o nosso despertar

Estabilidade, dívidas, golpes e a descoberta de que a verdadeira segurança não está no salário nem no banco, mas na vigilância da nossa própria mente.

Renato R Gomes Administrador

História baseada em fatos reais.  O personagem somos nós, em nossos momentos de desatenção.

1. A prisão dourada: o início do conflito
Quando falamos num grande concurso público, ou atingimos uma posição de aparente estabilidade (um bom emprego, um negócio consolidado), ouvimos o coro da sociedade: “Agora é só sossegar. A vida está ganha. É ficar quieto, não inventar moda, esperar a aposentadoria, e ser feliz.”
No meu caso, ao decidir deixar a carreira militar, estudar Direito e ingressar no serviço público civil – o que aconteceu em 2005 -, a pergunta que sempre me martelava era mais sutil e dolorosa: “E depois? É só isso? Vou ficar décadas apenas cumprindo rotinas, sendo remunerado ao sabor de conveniências da política, sem criar algo que fosse inteiramente nosso, sem colocar no mundo o que eu realmente sinto e penso?”
Por fora, parecia perfeito. Por dentro, o conflito cresceu. E a pressão aumentou dramaticamente com o nascimento das minhas filhas, em 2007 e 2009. O amor e a responsabilidade de ser um pai presente vieram acompanhados de uma panela de pressão silenciosa: aborrecimentos familiares angustiantes, junto à pressão por escola, futuro, contas.
2. O preço de “inventar coisas”
Começamos, então, a viver o que eu chamei de “engenharia financeira”: salário sempre no limite, cheque especial, cartões de crédito. Não era má-fé. Era um conflito interno não resolvido que se manifestava no extrato: o desejo de liberdade e criação versus a resistência ferrenha e os “conselhos” não pedidos de quem nos ama – que, no fundo, projetava em nós o próprio medo da instabilidade.
E aqui entra a dor mais aguda: essa incompreensão dos que nos amam.
Ouvíamos (direta ou indiretamente): “Como é que um servidor público com ótima remuneração fica inventando coisas, sem pensar na família?”, “Por que não fica satisfeito?”, “Para que se arriscar se já tem estabilidade?”
Nossa família nos ama e quer o nosso “bem”.  Mas o “bem” deles tem uma lógica diferente: “ver para crer” e “segurança acima de tudo”.
O que sentimos por dentro – a angústia, a inquietação, o desejo de empreender, de expandir – é invisível para os outros.  O sistema de condicionamento social e educacional nunca nos preparou para lidar com emoções; apenas com o intelecto limitado por um conhecimento” vendido como essencial ao “sucesso”, raso e desconexo com o sentido profundo da vida, somado a preocupações com notas e contas.
Resultado: por fora, o “servidor público estável”; por dentro, alguém dividido entre o dever e a vocação, entre o medo e o chamado interno.  E, naturalmente, a vontade de “ganhar mais para aliviar a pressão” virou obsessão.
3. A queda e o desvio de rota
Em 2016, essa obsessão me levou ao mercado financeiro.  Em vez da “grande virada”, veio a queda dolorosa: perdi 360 mil reais e fiquei devendo mais 60 mil para um banco de investimentos.  Meu nome foi parar no SPC e SERASA, e trouxe os processos judiciais, que já me drenaram mais de 200 mil reais.
Foi o choque necessário. Em vez de me entregar à depressão, decidi que não pararia ali. Mergulhei na mudança de mentalidade, de concepção de vida, no lado espiritual e holístico, em educação financeira, e em autores que falam do poder da mente (como Neville Goddard, Joseph Murphy, Napoleon Hill, Hélio Couto, Deepak Chopra, Don Miguel Ruiz, Bashar, e outros).
Ali, comecei a perceber: dinheiro é consequência do que você faz; nunca o fim em si.
No entanto, gerenciar a mente lúcida era um desafio diário. Por longos anos, guardei sentimentos reprimidos que nem notava: medo, raiva, angústia, mágoa. Eles só se revelavam, vez ou outra, por explosões de raiva e impulsividades.
4. O corpo como salva-vidas (uma fuga salvadora)
Uma das coisas que me impede de desmoronar foi o corpo. No caso, o Jiu-Jitsu e as corridas. Treinar no tatame, suar, lutar, cair e levantar junto com amigos que não nos julgam ou criticam aliviava a cabeça e reduzia o peso emocional.  As corridas traziam dopamina e endorfina. Era, sim, uma fuga psicológica. Mas uma fuga salvadora.
O corpo, a cada treino, dizia: “Você ainda está vivo. Você aguenta. Continue.”  Essa fase de 2016 a 2018 foi uma mistura de caos financeiro e apoio interior, sustentada, em parte, pela disciplina física.
5. A palavra ganhando valor e a colheita da semeadura
Em 2017, no meio da turbulência, criei meu blog.  O impulso era: “Preciso dar forma às minhas ideias sobre o Direito;  preciso colocar no papel a incoerência que vejo.”  Escrever virou terapia silenciosa e prática espiritual.
Em 2019, esse blog virou meu primeiro livro.  Com a venda dos exemplares, consegui sair de dívidas de cheques especiais e cartões de crédito. A mensagem da vida era clara: “Minha palavra tem valor; minha voz tem força.”
Em 2022, enfrentei nova dívida pesada (quase 300 mil) com outro banco. Meu pai, extremamente preocupado, e vendo meu esforço de mudança, entrou em campo para ajudar na negociação e quitação. No fundo, a família sempre nos apoia. Mas, mesmo com o apoio financeiro, a incompreensão do mundo interno, mental e vocacional permanecia.
6. A mudança de rota e o sentido da vida
A partir de 2020, o trabalho de escrita e o canal no YouTube cresceram.  Lancei uma quadrilogia (4 livros) e o canal começou a monetizar.
Em 2023, aconteceu uma mudança decisiva: o direito e a política deixaram de me interessar. O foco virou autoconhecimento. Percebi o padrão perigoso: “Muita gente diz que quer ‘conscientizar’ o outro, mas o que está fazendo é despejar a própria raiva e frustração, chamando isso de ‘justiça’.”
Nesse momento, percebemos que a justiça verdadeira está na semeadura, e não na colheita. Escolhemos o que plantamos, mas não controlamos o resultado. O fluxo da vida me dizia: “Chega de compartilhar o que adoece. É hora de compartilhar o que cura.”
Em 2025, iniciei a faculdade de Psicologia, impulsionado por feedbacks de seguidores que atribuíram a vitória contra a depressão às mensagens compartilhadas em minhas lives.
7. O último teste: o golpe bancário e o velho padrão
Em julho de 2025, um marco: consegui quitar uma dívida de 370 mil reais. Um ciclo longo e pesado de 16 anos estava se encerrando.
Mas, pouco antes de um novo ciclo começar, a vida costuma nos testar. Sofri, de modo que considerava impossível, um golpe bancário, no início de dezembro de 2025.
O cenário era perfeito: conexão de “setor de segurança” do banco, conta real bloqueada, discurso técnico correto, mensagens de WhatsApp oficial da gerente confirmando tudo.
Com histórico de sustos reais e um coração que sempre confiou (e que temia perder o que havia conquistado), entrei no velho modo automático inconsciente: urgência, medo de perder, necessidade de resolver rápido.  Fiz o que foi mandado, e a engenharia social se concretizou.
8. O padrão que nós repetimos
O cenário externo mudou (de “milagre financeiro” em 2016 para “urgência de segurança bancária” em 2025), mas o movimento interno foi o mesmo que se repete em nossa vida:
* Pressão emocional interna alta.
* Medo de perder.
* Necessidade de resolver tudo rápido (urgência).
* Dificuldade de pausar e ouvir a intuição (a voz de dentro).
Mas com uma diferença: em 2016, caí e demorei para entender. Agora, em 2025, caí e vi o velho padrão inteiro (mental, sentimental e comportamental) se repetindo -, e é aqui que o nosso despertar começa.
O golpe não veio para destruir, mas para mostrar: “Veja: esse padrão aqui ainda está vivo. Quer soltá-lo de vez?”
Krishnamurti diria: “Quando vemos completamente o movimento da mente, esse movimento começa a terminar.”
Jesus diria: “Vigiai e orai”.
Não é sobre ganância ou burrice; é sobre a falta de pausa e sobre o medo de assumir o volante em momentos de crise.
9. O que tudo isso nos ensina
Ao olhar para trás, percemos que a história nos entregou lições universais e profundas, que qualquer jovem ou adulto intelectualmente honesto pode compreender:
*“Dinheiro é consequência; não é Deus.” Quando vira obsessão, tudo piora. Quando vira consequência do que nós fazemos com sentido (criação, ajuda, vocação), as coisas se alinham.
*A Maior Prisão é Emocional”.  Medo, raiva, ansiedade, mágoa, culpa — isso nos quebra por dentro muito antes do extrato bancário.
*“Quem nos ama não pode nos entender. E está tudo bem. O amor deles é real, mesmo que a visão deles seja condicionada ao “ver para crer”.
*“O Corpo Salva”. O esporte, o movimento, o Jiu-Jitsu: eles seguram a barra, alinham a química do cérebro e evitam muitos transtornos mentais.  É uma fuga salvadora para aliviar a tensão.
*“Podemos cair feio e, mesmo na lama, escolher a ascensão”.  Em vez de depressão, podemos escolher estudo, terapia, espiritualidade e criação.
*“A vida testa o que dizemos que aprendemos”.  O golpe ou o susto não são castigos; são apenas a prova final para ver se o velho modo de operar a mente realmente morreu.
*A justiça verdadeira está na semeadura”.  Temos o poder de escolher o que plantamos (nossos pensamentos, sentimentos, intenções e ações), mas nunca controlamos o tempo nem o formato da colheita.
10. Onde está o seu golpe Invisível?
Talvez você nunca tenha perdido uma grande quantidade de dinheiro ou passado pelo SPC/SERASA. Mas, em algum lugar, o golpe invisível já aconteceu: é quando você deixa que o medo o/a dirija, a urgência mande, a culpa o/a corroa, o silêncio o/a deprima, o julgamento alheio dite seu caminho.
O golpe invisível é o da mente condicionada. Acontece quando ignoramos a nossa intuição, agimos na pressão, e confiamos mais na “voz de autoridade” externa, da racionalização, do senso comum, do que na nossa voz de dentro, da intuição, do sentir, do “ilógico”.
Uma boa notícia: se conseguimos ver isso em nós, nós já começamos a acordar.
No fim, a vida não estava contra nós.  Estáva, sim, (e sempre está) nos empurrando – às vezes com carinho, às vezes com choque – para um lugar muito específico: virar um ser humano mais consciente, mais maduro e mais livre por dentro do que jamais fomos.
E essa liberdade, quando nasce, nem banco, nem golpe, nem sistema nenhum consegue bloquear.

Referências e sugestões de leitura
Byron Katie. Ame a Realidade.
Don Miguel Ruiz. Os Quatro Compromissos.
Eckhart Tolle. O Poder do Agora.
Gabor Maté. No Reino dos Fantasmas.
Gary Zukav. A Morada da Alma.
Jiddu Krishnamurti. A Primeira e Última Liberdade.
Michael A. Singer. A Alma Indomável.
Viktor Frankl. Em Busca de Sentido.