Jejum é necessário?

Compreenda a palavra dentro de um contexto.

Renato R Gomes Administrador

Jejum… Jejuar é privar-se, abster-se, ignorar. A questão é: por qual motivo? Qual intenção? Se me contrario, passo fome: fome por respostas, informações, comida. Falta-me alimento; falta-me algo. Mas jejuar significa privar-se de alguma necessidade básica? Ou pode ser o livrar-se de um fardo? Pode estar atrelado a privar-se de alimento inútil ou insalubre, ou não. A depender da motivação, jejuar pode sinalizar um desafio ao ego por uma razão crística, ou racionalização para atender ao ego e sustentar um dogma raso.

Jejuar é escolha: abre-se mão de algo em vista de um objetivo ou de um resultado esperado. Ao mesmo tempo, pode implicar viver em conflito interior, por se sacrificar em troca de uma ideal incerto. Jejuar também pode significar resistência a impulsos do ego, dando-se preferência ao caminho indicado pelo coração. Ou equivaler a estar carente de alguma coisa não necessariamente material.

A carência pode denotar um mal-estar interno, um sentimento contraditório, caso decorra de uma obrigação originária de uma crença. Jejum forçado pode evidenciar falta de integridade, ausência de sintonia entre pensamento e sentimento (quero algo num sentido, mas em oposição ao que sinto). Jejuar pode traduzir desprezo inconsciente pelas oportunidades que a vida nos oferece para crescermos ou autoconhecermo-nos. Negamos ou recusamos algo por medo. Pode implicar desvio do caminho reto, fechando as portas do “Reino dos Céus”. O medo fundamenta a inércia, a omissão, a abstenção, a inação. Daí, não se aprende; permanece-se no erro; “peca-se”.

Abster-se de algo intencionalmente pode significar um sacrifício subjetivamente louvável para a pessoa. A intenção importa. O jejum precisa de fundamento adequado. A abstenção consciente de algo pode significar a mudança de hábito, a superação de um vício, a purificação do corpo e da mente. Ou, pelo contrário, um martírio, uma autotortura, um masoquismo. Jejuar, de acordo com a conotação, pode nos elevar ou afundar.

O Dito 14 do Evangelho de Tomé traz uma mensagem enigmática sobre o jejum:

Jesus disse: “Se vocês jejuarem, criarão pecado para si mesmos. Se orarem, serão condenados. Se derem esmola, prejudicarão o seu espírito. Quando viajarem para qualquer terra e forem bem recebidos, comam o que lhes oferecerem. Curem os doentes entre eles. Não é o que entra pela boca que os contamina, mas o que sai da boca que os contamina.”

O que Jesus quis nos dizer? Vamos especular.

Sobre o jejum e o conflito
Jejuar é privar-se; isso gera falta de integridade. Quando nos impomos o jejum, há uma divisão: há aquele que controla (a mente egoica) e aquele que é controlado (o instinto fisiológico, o sentimento). Como nos ensinou Krishnamurti, onde há divisão, há conflito. E o conflito é a própria essência do que as religiões chamam de “pecado”. Se  suprimimos um desejo, este é fortalecido nas sombras. A negação da vida como ela é impede o autoconhecimento. Não podemos conhecer aquilo que brutalmente reprimimos.

Sobre a oração e a carência
A oração costuma se manifestar em súplica, nascida do medo e da insatisfação. Isso é muito penetrante. A maioria das orações é um pedido de segurança, não é? “Por favor, proteja-me, dê-me isto.” É o “eu”, o ego, buscando continuidade, buscando conforto psicológico. Se a mente está pedindo, ela está separada da realidade; ela quer mudar “o que é” para “o que deveria ser”. A condenação vem daí: da incapacidade de olhar para a desordem interna sem tentar fugir dela através de uma súplica a uma entidade externa.

Sobre a ingestão e a reatividade
Aceitar os outros como são”; talvez, um ponto crucial. Quando Jesus diz “comam o que lhes oferecerem”, e interpretamos como não resistir, estamos falando de percepção sem escolha; observação sem julgamento. Se resistimos ao comportamento do outro, estamos reagindo a partir do nosso passado, dos nossos preconceitos. A verdadeira cura é olhar para o outro sem a imagem que formamos dele. O que sai da boca — a violência, a palavra dura — é a manifestação do nosso estado interior. Se não há ordem interna, o que sai é poluição.
​Nossa visão demonstra uma ruptura com a estrutura mecânica do ritual ou do que idealizamos como “o que deveria ser”.

A verdade não está na repetição de um ato (jejum, oração), mas na compreensão profunda do mecanismo do “eu” ou funcionamento do ego.​ A mensagem de Jesus é universal e atemporal. Daí, também é direcionada a jovens, à nova geração. Como simplificá-la?

Diálogo com o jovem e a verdadeira rebeldia                                                               O que significa ser realmente livre? Sabemos que jovens questionam tudo: a escola, os pais, as regras. Mas vamos olhar para algo que um homem chamado Jesus disse há muito tempo, não como uma regra religiosa chata, mas como um desafio para a sua inteligência. ​Jesus disse algo estranho: “Se vocês jejuarem, criarão pecado; se rezarem, serão condenados.” Parece loucura, não é? Mas escutemos com atenção.

O mito do sacrifício (o jejum)
Imagine que você quer muito jogar videogame ou ver o celular, mas se obriga a não fazer isso para “ser uma pessoa melhor” ou “santa”. O que acontece? Você fica com raiva, ansioso, pensando no celular o tempo todo.
A lição: Quando você se força a ser o que não é, você cria uma guerra dentro da sua cabeça. Isso é o “pecado”: viver em conflito. A verdadeira inteligência não é se proibir de fazer coisas, mas entender por que você faz o que faz. Entender é melhor do que proibir.

O perigo de pedir esmola (a oração)
​Muitas vezes, rezar é como pedir a um professor para mudar sua nota sem você ter estudado. É um desejo de mágica porque temos medo da vida ou preguiça de assumir responsabilidades.
A lição: Se você vive pedindo para que as coisas mudem, você se torna um mendigo psicológico. Você fica fraco. A força real surge quando você olha para o seu problema (uma briga, uma nota baixa, uma tristeza) e diz: “Eu vou entender isso e resolver isso”, em vez de implorar para que o problema suma.

O que entra versus o que sai
Jesus disse: “Não é o que entra pela boca que contamina, mas o que sai.”
Imagine que alguém xinga você ou lhe serve uma comida ruim. Isso é o que “entra”. Se você engole isso e fica com ódio, o que vai sair da sua boca? Um xingamento pior.
A lição: às vezes, o mundo vai lhe oferecer coisas ruins (pessoas chatas, injustiças). Isso não é o problema. O problema é você processar isso dentro de você e devolver veneno.
​Exemplo prático: se sua mãe ou um colega fala algo que você não gosta, isso é “o que entra”. Se você reage gritando, você se contaminou. Se você escuta, mantém a calma e não devolve a agressão, você é livre. Você “curou” o momento.

Resumo para levar para a vida:
Não siga rituais só porque disseram que é certo. Não faça coisas para ganhar recompensas “no céu ou na terra” (negócios com “Deus”; “acordões” entre homens por pragmatismos, jeitinhos, controles, sempre com segundas intenções agarradas a um futuro imaginário no céu ou na terra). Seja íntegro. A sujeira não está na comida ou no mundo lá fora; a sujeira está em reagirmos com ódio, medo ou mentira. Mantenha a sua casa interna limpa, e nada que vier de fora poderá fazer-lhe mal.