A mensagem para o dia 18 de janeiro, trazida no Livro da Vida, de Krishnamurti, diz o seguinte:
“Se conseguirmos entender a compulsão por trás do nosso desejo de dominar ou ser dominado, talvez possamos nos livrar dos efeitos incapacitantes da autoridade. Ansiamos por estar certos, ser justos, ser bem-sucedidos, saber; e esse desejo de certeza, de permanência, constrói dentro de nós a autoridade da experiência pessoal, embora externamente crie a autoridade da sociedade, da família, da religião etc. Simplesmente ignorar a autoridade, livrar-se de seus símbolos externos, é pouquíssimo importante. Romper com uma tradição e se adaptar a outra, deixar esse líder e seguir aquele, são apenas atitudes superficiais. Para ter consciência de todo o processo da autoridade, enxergar a interioridade dele, entender e transcender o desejo de certeza, é preciso ter consciência e insight extensivos, estar livre – não no fim, mas no início.”
Jiddu Krishnamurti é uma referência imprescindível para quem busca autoconhecimento. Refletindo sobre suas mensagem, em diversos de seus livros, sinto que venho me tornando um ser humano melhor no dia a dia. Apesar das eventuais “pisadas de bola” frente a gatilhos que surgem volta e meia em situações corriqueiras, nosso nível de autoconsciência e autovigilância faz com que imediatamente notemos a falha, cancelemos a reatividade, captemos as lições do erro e, gratos pelo aprendizado, ajustemos o caminho.
A resiliência internalizada ganha natureza espiritual, holística; passa a ser natural, espontânea, por sua vinculação direta ao nível de consciência sobre a vida a que chegamos. Deixa, portanto, de estar associada ao senso comum, que a equipara a espécie de autocontrole forçado, mental ou físico, um misto de tolerância psicológica com resistência ou não reação física, mas que inevitavelmente gera fissuras no corpo emocional.
Krishnamurti se expressa em linguagem simples, mas seu conteúdo é profundo, o que faz com que muitos não tenham a mínima ideia do que ele esteja falando. Ou mesmo sequer tenham ouvido falar de seu nome. Compreensível, porque, segundo o ditado oriental, se o discípulo não estiver pronto, o mestre não aparece.
Não obstante essa impressão, será mesmo que ele é inacessível ou incompreensível, por exemplo, para um jovem adolescente curioso, ainda de mente aberta mas em processo de condicionamento social, ou para um adulto, já condicionado, aprisionado em sua rotina, com a mente quase que fechada e apegada à lógica dos cinco sentidos, do “ver para crer”? Talvez ambos encontrem dificuldades de compreensão do cerne da questão colocada pelo sábio. Mas, em se tratando de potencial humano, podemos afirmar que todos os que quiserem conseguem compreendê-lo, cada um em seu tempo.
Vamos olhar juntos para a mensagem. Em linguagem mais didática, tanto o jovem quanto o adulto têm o potencial entendê-la e, depois, aproveitá-la em suas vidas. Então vejamos.
O que o texto chama de “autoridade” não é apenas o diretor da escola, seus pais ou as regras que ele diz para seguir. Essa é uma autoridade externa. O texto diz que se preocupar com ela, ou mesmo se rebelar contra ela, é “pouquíssimo importante”. A autoridade real, a mais difícil de ver, está dentro de nós.
O Desejo de Estar Certo
Pense nisto: na escola, você não sente, por vezes, uma forte necessidade de “estar certo” numa discussão? Ou a necessidade de pertencer a um grupo, de ser “bem-sucedido”, de ser popular, ou de se sentir seguro?
O texto diz que “ansiamos por estar certos, ser justos, bem-sucedidos, saber”. Esse desejo – o desejo de ter certeza – é o que construiu a autoridade interior.
Exemplo: se você decidir “Eu sou um skatista”, isso lhe dá uma certeza, uma identidade. Mas essa identidade se torna uma autoridade. Ela lhe diz como se vestir, o que ouvir, com quem andar. Se alguém for crítico, você defende a ideia de “skatista” porque ela se tornou a sua segurança. Você não está mais livre; você está sendo dominado pela imagem que criou de si mesmo.
O mesmo vale para o oposto. Talvez você se sinta confortável apenas observando o que o grupo diz (ser dominado), porque é mais fácil fazer do que ficar sozinho e descubrir as coisas por si mesmo.
Ambos, dominar e ser dominado, vêm do medo de não ser nada, de estar incerto.
Trocar de Prisão não é Liberdade
O texto alerta que “romper com uma tradição e se adaptar a outra” é superficial.
Exemplo: imagine um jovem que odeia as regras de seus pais (Tradição A). Ele foge de casa e se junta a um grupo que vive de uma forma completamente diferente, com outras regras (Tradição B).
Ele sente que está “livre” de seus pais. Mas agora, para ser aceito pelo novo grupo, ele precisa se adaptar totalmente às regras desse grupo.
De fato, ele não ficou livre. Ele apenas trocou a autoridade dos pais pela autoridade do grupo. Ele trocou de prisão.
O que é “Estar Livre no Início”?
A verdadeira liberdade não é algo que você alcança no fim de um processo (como se rebelar ou atingir um objetivo). É algo que você precisa ter no início de qualquer observação.
Significa olhar para o mundo – para seus amigos, seus professores, seus próprios pensamentos – sem já ter uma conclusão.
Como praticar isso?
Vamos usar um exemplo prático.
Imagine que seus amigos começaram a falar mal de um colega.
A reação comum (não livre). Você imediatamente concorda com eles, talvez por medo de ser o próximo a ser excluído (você está sendo dominado por medo e por grupo). Ou você imediatamente os confronta, dizendo que estão errados e que você é uma pessoa melhor (você está dominando, se agarrando à certeza de ser “justo” ou “certo”).
Nos dois casos, você reagiu a partir de uma certeza: de um medo ou de um desejo.
A prática (“livre no início”). Nesse exato momento, antes de falar ou agir, você simplesmente observa.
Observe o que está acontecendo: a fofoca, a pressão do grupo. Observe o que está acontecendo dentro de você: você sente o impulso de concordar? Você sente o medo de ficar de fora? Você sente o desejo de corrigi-los e se sentir superior?
Não faça nada. Apenas veja tudo isso, como se estivesse presente em um filme. Veja o seu “desejo de certeza” (de pertencer, de estar certo) em ação.
Nesse momento de pura observação, sem escolher um lado, sem agir por compulsão, você está “livre no início”. Você está vendo o processo todo da autoridade como ele realmente é. Quando você vê o absurdo, o medo ou a vaidade por trás da sua compulsão, ela perde a força. A ação que se segue (talvez você fique em silêncio, talvez você mude de assunto) não veio mais do medo ou do desejo, mas de uma compreensão clara.
A prática é esta: observar seus pensamentos e desejos sem julgá-los, no exato momento em que eles surgem. Essa é a liberdade.




