Nossa educação é toda voltada para a comparação.
O sistema oficial de ensino é, com raríssimas exceções, todo construído para que comparações sejam parâmetros: de “Zé Ninguém”, temos que nos tornar “alguém”; de aluno “ruim” como Joãozinho, temos que nos sacrificar para virarmos aluno “exemplar” como Manezinho; de “fracassado”, temos que virar “sucesso”… As comparações, constatáveis ou subliminares, são infindáveis.
As pessoas que mais nos amam, como pai e mãe, também nos ensinam com base em comparações. Comparam suas experiências com o que eles projetam de “melhor” para gente, porque têm medo que passemos dificuldades num futuro qualquer; dizem, desde nossa tenra idade, o que podemos ou não fazer, comparando seus padrões morais e de justiça às opções que se apresenta(ra)m em nossas vidas, e por aí vão.
Nos colégios, nas faculdades, nos eventos cotidianos, nas redes sociais, nas relações de trabalho ou profissionais…, comparações são a regra quase que absoluta.
No fim das contas, quando nos consideramos crescidos e donos do nosso umbigo, descobrimos repentinamente que há algo estranho com nossa vida.
“O que fiz de errado para merecer isso?”, “Por que Xandinho não me deixa em paz se sou tão bacana?”, “Vida é só sofrimento mesmo?”…, dentre outras indagações internas, sinalizam que precisamos mudar; mudar de mentalidade; limpar crenças; abrir a mente; fazer escolhas e tomar decisões, pautadas em critérios de integridade, pelos quais medos psicológicos imaginários, jeitinhos e pragmatismos com segundas intenções ou pretensões de controle não terão mais vez.
Lendo o dito 13 do Evangelho Gnóstico de Tomé, e refletindo bastante a respeito, senti que, trabalhá-lo, seria uma forma de lançar sementes que – quem sabe? – pudessem gerar belos frutos ao final.
Obviamente que vai depender de você, leitor, leitora, concluir que deva semeá-las e lhes dar o tratamento adequado. Particularmente, não tenho a mínima dúvida de que vale(rá) a pena!
Dito 13
“Jesus disse aos seus discípulos: “Comparem-me a alguém e digam-me com quem eu me pareço.” Simão Pedro respondeu: “Você é como um anjo justo.” Mateus disse: “Você é como um homem sábio e entendido.” Tomé disse: “Mestre, minha boca não dirá com quem você se parece.” Jesus disse: “Eu não sou seu mestre, pois você bebeu da fonte borbulhante que eu preparei. Você ficou embriagado.” Ele chamou Tomé para um canto e falou com ele em particular, dizendo três coisas. Quando Tomé voltou para seus companheiros, eles lhe perguntaram: ‘O que Jesus lhe disse?’ Tomé respondeu: ‘Se eu lhe disser uma das coisas que ele disse, você pegará pedras e as atirará em mim, e um fogo sairá das pedras e o queimará.'”
Como um mestre compreenderia essa história cifrada, trazida por Tomé?
Vamos imaginá-lo conversando com um jovem que lhe tenha perguntado a respeito, interessado em desvendar os tais “mistérios” da vida, ainda com mentalidade em formação.
Estarei cogitando Jiddu Krishnamurti como o mestre, por considerá-lo uma referência em minha vida. De modo geral, com fala direcionada a qualquer interlocutor atento, talvez Krishnamurti, após breve introspecção, pudesse dizer o seguinte:
Ouvir não é a mesma coisa que escutar. Você está lendo estas palavras, mas será que você poderá ouvir, sem o seu “eu”, sem o seu condicionamento, sem que tudo o que lhe disseram seja a verdade? Você me pede para olhar para este fragmento, escrito por Tomé, querendo saber qual a mensagem transmitida de forma velada.
A primeira coisa que devemos fazer é nos livrarmos de quem vai interpretá-la, seja Krishnamurti ou qualquer que seja o guru de preferência, incluídos Tomé, Pedro, Mateus e o próprio Jesus como autoridades. A verdade é uma terra sem caminhos. Ninguém pode levá-lo até lá, e muito menos eu ou um texto antigo. O que podemos fazer é olhar para o texto, não como uma escritura sagrada ou uma heresia, mas como um espelho da mente humana. E a sua mente é a mente humana.
Observe o que está acontecendo no texto.
Atente para a pergunta “Com quem eu pareço?”. Esta é a pergunta da autoridade. Ela convida à comparação, à medida.
Ouvindo as respostas de Pedro e Mateus, notamos que eles responderam com o conhecido. Pedro vê um “anjo justo” – esta é a sua tradição religiosa, sua esperança, sua projeção. Mateus vê um “sábio filósofo” – esta é a sua tradição intelectual, a sua admiração. Ambos comparam uma pessoa com uma ideia que já possuíam. Eles estão presos na descrição. A palavra não é uma coisa. O “anjo” não é a verdade. O “filósofo” não é a verdade.
Vejamos a resposta de Tomé: “Mestre, minha boca é incapaz de dizer…” Este é o único momento de verdadeira inteligência no diálogo. Tomé intui que qualquer resposta vinda da memória, do conhecido, seria uma mentira. Ele vê o incomensurável e se recusa a medi-lo por sua métrica, seu “conhecimento”, pelo o que acha que sabe. Só sabe que nada sabe. Ele não projeta seu passado, sua esperança ou seu medo. Ele está em um estado socrático de não saber, de humildade plena, que é a única porta para a percepção e compreensão.
Agora, a reação de Jesus: “Eu não sou seu mestre”. Por quê? Porque no momento em que Tomé parou de buscar um mestre, parou de comparar; ele bebeu da fonte da vida. Ele não precisa mais de um intermediário, de um guru, de uma autoridade. Ele teve uma percepção direta. Ele está “embriagado” – não com vinho, mas com a própria verdade, que está além das palavras.
O “segredo” – as “três palavras” – não é uma fórmula mágica. É a própria percepção, aquilo que é diretamente percebido sem o filtro do conhecimento acumulado, passado, limitante. E Tomé está certo: se ele dissesse isso a Pedro ou a Mateus (que precisam de um mestre, que precisam de rótulos), eles o apedrejariam. A mente condicionada sempre ataca o que é livre.
Agora, como falar sobre isso com jovens da nova geração, curiosos, interessados em viver felizes, abertos ao novo? Nessa quadra do século XXI, diante de tantas pressões familiares, educacionais, sociais… que estressam e desestimulam a juventude, sempre com a “justificativa” das “boas intenções”, um Krishnamurti seria capaz de ajudá-los a dar sentido às próprias vidas, a viver com fé no desconhecido, a seguir livremente suas empolgações, aliando razão e coração? Por que não? A abordagem da mensagem, sim, merece especial cuidado, pois os jovens de hoje são os tesouros de amanhã da humanidade.
Aos Jovens (10 a 18 anos): sobre Comparação e Originalidade
(A abordagem aqui não é de autoridade, mas de observação conjunta.) Você já reparou como passaram o dia inteiro comparando? Na escola, vocês comparam suas notas. Nas redes sociais, comparam suas vidas, suas roupas, suas aparências com as de influenciadores ou amigos. Vocês olham para alguém e dizem: “Ele é legal”, “Ela é bonita”, “Ele é um atleta”, “Ela é inteligente”.
Pedro e Mateus, no texto, estão fazendo exatamente isso. Você está colocando um rótulo em Jesus. Um diz “Você é como um anjo” (hoje ele diria “Você é o máximo!”). O outro diz “Você é um sábio” (atualmente, diria “Você é um gênio!”). Eles estão tentando fazer com que Jesus se encaixe em uma caixa que eles já conhecem.
Mas olhem para Tomé. Ele diz: “Não consigo te colocar numa caixa. Não sei o que dizer.”
E o que acontece? Jesus responde: “Ótimo. Você finalmente viu a verdade, em vez de apenas repetir o que já sabe. Porque você não me colocou numa caixa, eu não posso ser seu ‘mestre’. Você não precisa de mim.”
O que isso significa para você? Significa que a vida não é sobre se tornar como outra pessoa. Não é sobre ser como o atleta, o influenciador ou o gênio. Isso é viver uma vida de segunda mão. É como Pedro ou Mateus. Viver de verdade é ser como Tomé: ter a coragem de olhar para o mundo, para si mesmo e para os outros sem os rótulos que todo mundo usa.
Quando você para de comparar, você começa a descobrir o que você é. Isso é “beber da fonte borbulhante”. É a sua própria inteligência, a sua própria percepção. Isso “embriaga”, dá uma liberdade que ninguém pode lhe dar ou tirar.
Os seus colegas (os “companheiros” de Tomé) vão lhe perguntar: “O que você quer ser? De que ‘tribo’ você é? Com quem você anda?” Eles querem um rótulo. E quando você não lhes dá um, eles não podem entender. Podem até zombar de você (as “pedras” de que Tomé fala).
Não importa. A sua única responsabilidade é descobrir essa fonte da verdade em você. Não siga ninguém – nem a mim, nem a seus pais, nem a seus professores, nem a seus ídolos. Apenas observe; apenas escute. A verdade está onde você está, não na descrição de outra pessoa.




