“Este céu passará, e o que está acima dele também”

Dito 11 do Evangelho Gnóstico de Tomé para autorreflexão.

Renato R Gomes Administrador

Por estudo e vivência pessoal, tenho para mim,

como íntima e inabalável verdade, que a compreensão e a subsequente prática dos ensinamentos trazidos pelos grandes mestres espirituais ao longo dos milênios, é o que efetivamente nos liberta(rá). Falo, seguindo a linha de Jiddu Krishnamurti e Viktor Frankl, de liberdade mental, a única que de fato importa e faz com que a vida se transforme numa aventura, deixando de ser fardo ou sofrimento.

Como os níveis de consciência, as concepções de vida e os interesses das pessoas são muito diversos”, o tempo de cada um para se voltar a tais assuntos – se é que vai -, internamente motivado pela vontade de crescer e se tornar um legítimo ser humano, deve ser visto com naturalidade. Até porque são as infindáveis manifestações de desigualdade individual, de todos os tipos (decorrentes de crenças adotadas, formas de pensamento, emoções, sentimentos, padrões morais e de comportamento, riqueza, gênero, raça…), que criam situações, muitas das vezes desafiadoras, para que os que estão dentro do contexto tenham incontáveis e sempre novas oportunidades de autorreflexão e aprendizado e, consequentemente, de ajustar a mentalidade e o caminho que vinha sendo traçado até então.

Com base nessa constatação, e no intuito de ajudar você, leitor, a indentificar e remover algum obstáculo que esteja impedindo a sua viagem em paz de espírito pela vida, trago a seguir a mensagem de Jesus, expressa no Dito 11 do Evangelho Gnóstico de Tomé.

Alguns podem objetar: “Essa mensagem não é de Jesus; não está na Bíblia oficial.” Sem problema: cada um sabe de si e tem o direito de acreditar no que quiser, pelos motivos que também quiser. Faz parte do livre-arbítrio. Mas como a verdade não é transferível de pessoa a pessoa, apenas você, leitor, e mais ninguém, é capaz de aceitá-la, ou não, como sendo uma verdade que, de alguma maneira, o lança em direção à liberdade.

Dito 11:
Jesus disse: Este céu passará, e o que está acima dele também passará. Aqueles que estão mortos não estão verdadeiramente vivos, e aqueles que estão vivos não morrerão. Quando vocês comiam coisas mortas, vocês as faziam viver. O que farão quando vierem para a luz? Quando vocês eram um, tornaram-se dois. Mas quando se tornaram dois, o que farão?”

Qual a lição de vida trazida pela mensagem de Jesus? Como, por exemplo, um mestre como Jiddu Krishnamurti a traduziria para a compreensão de um jovem interessando em autoconhecimento e na descoberta de um sentido para a vida?

(Assumindo a persona de Jiddu Krishnamurti, com uma linguagem direta e questionadora, voltada à observação direta…)

Vamos examinar isso. Não porque está em um “evangelho” ou porque é antigo, mas para ver se há alguma verdade psicológica nisto, para você, agora. A autoridade de um texto, ou de mil textos, não significa nada. A única coisa que importa é se você pode ver isso em sua própria vida.

Você está buscando autoconhecimento, sentido. Isso é bom. Mas o que é esse “eu” que você quer conhecer? E que “sentido” você espera encontrar?

Para você, jovem (16-20 anos), que busca o autoconhecimento:
Você lê essas palavras e sua mente quer “interpretá-las”, quer saber o significado “correto”. Esse é o primeiro erro. Não interprete. Observe. Vamos olhar para o que o dito aponta.

“Este céu passará, e o que está acima dele também passará.”
O que é o “céu”? É o que você deseja, suas ambições, suas esperanças, suas crenças. Você quer ser bem-sucedido, quer ser feliz, quer “chegar lá”. Esse é o seu céu.

O que está “acima dele”? Suas ideias de Deus, da verdade, do absoluto. Seus conceitos filosóficos. A verdade é que tudo isso é pensamento. O pensamento é uma coisa do tempo, é uma reação da memória. E tudo o que é do tempo, muda, passa. Se você baseia sua vida em um conceito—seja ele “sucesso” ou “Deus”—, você está vivendo no efêmero. Não há segurança nisso. Você pode ver isso?

“Aqueles que estão mortos não estão verdadeiramente vivos, e aqueles que estão vivos não morrerão.”
Olhe ao seu redor. As pessoas estão vivas? Elas estão presas em rotinas, em medos, em tradições, em suas pequenas preocupações. Elas estão repetindo o que lhes foi dito. Isso é viver? Ou é uma forma de morte psicológica, um movimento mecânico?  “Vivos” não significa apenas o coração batendo. Viver é estar totalmente presente, atento, livre do passado (que está morto) e do futuro (que é incerto). Viver é o fim do “tornar-se”.

Quando você está nesse estado de atenção total, não há “você” para morrer. O “você”—seu nome, sua história, seus medos — é apenas um pacote de memórias. A memória morre. Mas a vida, a atenção, a consciência… isso é atemporal.

“Quando vocês comiam coisas mortas, vocês as faziam viver.”
Isso é o que você faz todos os dias. Você “come” coisas mortas. Quais? As opiniões dos outros, as tradições de sua cultura, os insultos, os elogios, os livros de história, as teorias. Elas estão “mortas” porque são o passado. E você as mastiga, as internaliza, e as faz “viver” como parte do seu “eu”. O seu “eu”, o seu ego, é apenas uma colcha de retalhos dessas coisas mortas que você animou e agora chama de “minha personalidade” ou “minhas crenças”.

“O que farão quando vierem para a luz?”
A “luz” é a compreensão (insight). É o momento em que você vê isso. Vê que seu “eu” é falso, que suas crenças são muletas, que você está psicologicamente morto.
Nesse momento de clareza, o que você fará? A maioria das pessoas se assusta. A luz é muito forte. Elas correm de volta para a escuridão confortável do “conhecido”—suas tradições, seus medos, seu “eu”.

“Quando vocês eram um, tornaram-se dois. Mas quando se tornaram dois, o que farão?”
Esta é a questão central de toda a miséria humana. A raiz do conflito. “Um” é o estado de totalidade. É a observação pura, onde não há divisão. “Dois” é a fragmentação. É quando o pensamento cria o “pensador”. É quando você diz: “Eu” (o observador) estou com “raiva” (o observado).

Agora você tem dois: o “eu” que quer controlar, e a “raiva” que deve ser controlada. O “eu” que é inseguro, e o “sucesso” que deve ser alcançado. O “observador” e o “observado”.
Essa divisão é o conflito. O “dois” é a guerra.
Então, “o que farão?” A questão não é como unir os dois, mas sim ver que a divisão é uma ilusão criada pelo pensamento. Você é a raiva. Você é o medo. O observador é o observado. Quando você vê isso totalmente, a fragmentação cessa.

Para você, que busca o sentido: o sentido não está em um livro ou em uma ideia. Está em compreender a si mesmo—não o “eu” que você pensa que é, mas o funcionamento da sua própria mente, o movimento do seu pensamento, a origem dessa divisão. O autoconhecimento é observar esse “dois” em ação, sem escolha, sem julgamento. Aí, talvez, o “um” possa estar.

Para você, que está começando a explorar (Pré-adolescente/Adolescente):
Vamos pensar sobre essa frase estranha. Não é um código secreto, é mais como um jeito de olhar para as coisas que você já conhece, mas de um jeito diferente.

“Este céu passará…”
Pense na coisa mais legal que você quer agora. Um celular novo? Ser popular? Tirar uma nota 10? Isso parece o “céu”, certo? Mas você sabe que, assim que conseguir, logo vai querer outra coisa. O celular ficará velho. Isso “passará”. A frase só diz que não adianta prender sua felicidade em coisas que mudam.

“Aqueles que estão mortos não estão verdadeiramente vivos…”
Já reparou como as pessoas, às vezes, parecem estar no “piloto automático”? Elas acordam, comem, trabalham, dormem, repetindo sempre a mesma coisa, preocupadas com o que os outros pensam.
O texto chama isso de “morto”. Não o corpo, mas a mente, que está “presa”.
Estar “vivo” é quando você está totalmente acordado. Sabe quando você está jogando seu jogo favorito, ou praticando um esporte que ama, e você está 100% focado? Você não está pensando em mais nada. Isso é estar vivo.

“Quando vocês comiam coisas mortas, vocês as faziam viver.”
Isso é interessante. “Coisas mortas” são as ideias dos outros. Pense em todas as coisas que você ouviu: “Meninos não choram”, “Você tem que ser bom nisso”, “Isso é feio, aquilo é bonito”.

Essas são ideias “mortas”, do passado. Quando você acredita nelas e deixa que elas definam quem você é (“Eu sou tímido”, “Eu sou ruim em matemática”), você está “comendo” essa ideia morta e fazendo ela “viver” dentro de você. Mas será que isso é você de verdade?

“Quando vocês eram um, tornaram-se dois. Mas quando se tornaram dois, o que farão?”
Essa é a parte mais importante. “Um” é quando você era um bebê bem pequeno. Você não se sentia “separado” do mundo. Você só… existia. “Dois” é quando sua mente se divide. Pense quando você fica com raiva. Existe “você” e existe “a raiva”. Certo? E o “você” fica pensando: “Eu não devia estar com raiva”, ou “Fulano me deixou com raiva”.

Agora são dois: “você” e “a raiva”. E eles ficam brigando dentro da sua cabeça. “Você” contra “seu medo”. “Você” contra “sua preguiça”. A “nova concepção de Vida” que isso sugere é: e se essa briga for o problema? E se, no momento da raiva, você for a raiva? Sem o “você” separado, julgando.

A vida espiritualizada não é sobre acreditar em fantasmas ou deuses. É sobre parar essa guerra interna. É sobre prestar atenção (isso é a “luz”) em como sua mente funciona, como ela cria esses “dois” o tempo todo.
O desafio é: você consegue observar seus próprios pensamentos e sentimentos, como se estivesse assistindo a um filme, sem brigar com eles? Essa é a maior aventura que existe.

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