Notícia estampada no Estadão online, de 27/04/2019:
“Desarticulação no Congresso deixa fatura para Moro.”
“Bolsonaro está disposto a tirar o Coaf das mãos do ministro da Justiça, que ficaria com a Funai, o que o ex-juiz federal não quer; mudanças teriam por objetivo aprovação de medida provisória que permite redução de ministérios.”
Li e fiquei estarrecido. Será que o Presidente da República não tem alguém para cochichar em qualquer um dos seus ouvidos, informando-lhe que não precisa fazer essa mudança administrativa a contragosto? A resposta supostamente é negativa. Presumo que ele cogite o seguinte: “Se a MP que reduz os ministérios for rejeitada, serei obrigado a me submeter à vontade do Congresso, deixando a administração federal com as 29 pastas de antes, e tendo ainda que nomear mais 7 ministros.”
Não, Presidente, o senhor não será obrigado a nomear mais 7 ministros além dos seus 22 agraciados. Tampouco a agir contrariamente às finanças do Estado que governa, ou ao que acredita ser o melhor para o país. A Constituição, ao lhe assegurar a autoridade de Chefe de Governo e o poder discricionário para conduzi-lo, bem como ao afirmar ser o Brasil um estado democrático e com dever de zelar pela segurança pública (CF,144), implicitamente não lhe dá o direito de fazer “articulações” prejudiciais tanto à representatividade democrática (CF,1.º,parágrafo único), quanto à eficiência da segurança da população. O senhor recebeu milhões de votos em confiança, tendo o dever de combater aquilo que vinha chamando de velha política, doa a quem doer. Demonstro-lhe argumentativamente.
O art.84,VI,a, da CF, diz que lhe compete, privativamente, dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos. Por outro lado, o art.48,XI, atribui ao Congresso Nacional o poder de dispor sobre criação e extinção de ministérios e órgãos da administração pública.
Está claro o impasse: o senhor quer enxugar a máquina federal e torná-la, com isso, mais eficaz e menos custosa, reduzindo 7 ministérios e reposicionando órgãos públicos segundo um programa de governo, como o fez com o COAF, atendendo o pedido do Sérgio Moro.
Não obstante, o Congresso teoricamente pode impedi-lo de reduzir despesas públicas correntes e pagas com os nossos tributos irracionalmente arrecadados, quando não extorsivamente recolhidos por contribuintes que sequer renda disponível possuem. E pode fazê-lo sem amarras, bastando um puro espirro político. Existência de déficit fiscal bilionário da União, cujo orçamento carece de equilíbrio urgente em suas contas? Irrelevante, aos olhos dos legisladores que temos. Equilíbrio que, “para variar”, tende a ser buscado com imposições de pesados encargos aos cidadãos da classe média preponderantemente assalariada, sejam da iniciativa privada ou do serviço público. É o grupo integrado pelos contribuintes de fato e por excelência, que não têm quiçá como se valer de planejamentos tributários para fugir do leão.
É isso mesmo? O Congresso tem tanto poder assim, ao ponto de desprezar a realidade financeira do Estado nas decisões políticas egocêntricas que toma, passando por cima das previsões de consequências nefastas que recairão sobre a tão maltratada população?
Sim; em tese, sim. O poder político discricionário para criar ou extinguir ministérios fixado no texto constitucional, em teoria, é incondicionado. A decisão do Congresso é política. Parlamentares podem racionalizar facilmente em cima de prognoses especulativas, para aparentemente justificarem que a quantidade de 29 ministérios gera mais benefícios do que prejuízos à administração pública, apesar de o Governo defender o contrário.
Sem falar que a entrega de ministérios com “porteira fechada” a indicados de partidos acabou no Governo Bolsonaro, fazendo-nos presumir que a nomeação de ministro competente e incorruptível inviabilizará que gestões administrativamente irresponsáveis, dilapidadoras da grana dos impostos ou mesmo criminosas de antes se repitam.
E aí, Presidente: o que o senhor poderia fazer então? 1) O senhor terá que coativamente trabalhar com os ministérios que havia no Governo Temer, reajustando os atuais ministros e nomeando necessariamente mais 7 para as pastas ressuscitadas, caso não aceite devolver o COAF para o Ministério da Economia? 2) O senhor é ou será forçado a se submeter às chantagens veladas de bastidores por parte de parlamentares insatisfeitos com o Sérgio Moro e os instrumentos de investigação ora em suas mãos, quebrando a sua palavra dada anteriormente ao ministro e determinando a volta do COAF ao ministério da economia, opostamente ao que desejam o respeitado Moro e o próprio Paulo Guedes?
Quanto à primeira questão, penso o seguinte. Como cabe ao Congresso dar a palavra final sobre a composição dos ministérios, diria que sim: o senhor terá que readequar os seus ministros aos ministérios que existiam até 2018. Regra do jogo constitucional (CF,48,XI). Agora, o senhor, em hipótese alguma, poderá ser coagido a nomear mais 7 ministros, ou a colocar em funcionamento os 7 ministérios que o senhor pretendia ver extintos.
Primeiramente, porque nada, absolutamente nada na Constituição o obriga a isso. Pelo contrário: o art.84,VI,a, é expresso ao garantir-lhe a competência para gerir discricionariamente a administração pública, quando não houver aumento de gastos. No caso da reestruturação ministerial que propôs, os gastos em tese teriam ainda sido reduzidos. Lembre-se sempre: apesar de a estrutura ministerial estar subordinada à vontade legislativa, é efetivamente o Poder Executivo que aplica o dinheiro e é responsabilizado pelos desmandos fiscais criados por decisões ruins sobre a sua destinação. A Lei de Responsabilidade Fiscal está aí não é à toa.
Para respaldá-lo na decisão política legítima, pertinente e constitucionalmente permitida de esvaziar os efeitos da idiossincrasia congressual e proteger a nossa grana, poderia o senhor, por exemplo, dirigir-se à população por meio de cadeia nacional de rádio e televisão, demonstrando-lhe, por A + B, que o Congresso Nacional rejeitou a redução e a respectiva reestruturação dos ministérios, por nítido capricho, sem qualquer motivo digno, convincente e concreto em prol do povo, da sociedade e do país, fazendo, daí, com que o Governo absorvesse um aumento perdulário de despesas evitáveis, na ordem de tantos milhões ou bilhões.
Frisaria, por hipótese, que o Congresso assim o quis, mesmo ciente do sacrifício doloroso
que a população terá que suportar, devido à imperiosa e impostergável reforma da previdência ora essencial para fechar o buraco bilionário nas contas públicas e, sobretudo, indispensável a garantir o pagamento de aposentadorias e pensões às gerações futuras.
Valeria a pena também apresentar uma planilha didaticamente explicativa e facilmente compreensível, escancarando os dados financeiros negativos atuais e as demandas fiscais para consertá-los. No momento seguinte, seria interessante o senhor expor os muito prováveis efeitos das más e inoportunas escolhas políticas como essa, tomadas inconsequentemente pelo Congresso.
Valendo-se da sua empatia e credibilidade moral, talvez seja oportuno o senhor esclarecer os cidadãos que irão assisti-lo sobre a esdrúxula e lamentável crença enraizada no íntimo dos maus políticos e de “especialistas”, segundo a qual, se o Governo não forma “coalizão” ou não “articula” com “suas excelências”, nenhuma responsabilidade carregam deputados e senadores por decisões políticas que tomam ou venham a tomar, de modo intencionalmente descontextualizado, e com o propósito sarcástico, absurdo e inconfessável de inviabilizar o crescimento sócio-econômico do país e o natural e crescente apoio popular que o senhor e o Governo angariariam.
Abro um adendo: esse episódio triste denota um sintoma da certeza da impunidade que reina no subconsciente do deputado ou senador. Desde, obviamente, que não se trate de fato envolvendo liberdade de expressão, como bem sentiu o Presidente enquanto na pele de deputado que realmente confiava na imunidade que o texto constitucional em teoria lhe garantia. Porque, hoje, o parlamentar sabe que ela é falaciosa: é uma prerrogativa funcional, ou meramente nominal, sem valor na prática do dia a dia, ou tão só semântica, pois avalizada pela ditadura judiciária somente se o expressado estiver conforme o “achismo” supremo a seu respeito. Manifestações hipócritas, politicamente corretas ou moralmente progressistas estão presumidamente liberadas. Na prática, o STF já mostrou que faz o “verde virar vermelho” e vice-versa, deixando a segurança jurídica à deriva. O que deveria ser constitucionalmente petrificado, como a inviolabilidade constitucional civil e penal do parlamentar por opiniões e palavras (CF,53), transforma-se em farelo, dia sim, dia não, derramado ao sabor da ditadura da toga, ora muito bem nutrida pela ditadura da ideologia única, ambas irmãs siamesas e em pleno vigor nesses tempos estranhos. Fecho o adendo.
O Presidente da República, em suma, deixaria a população a par dos acontecimentos, mediante informações objetivas e explicações claras, simples e sólidas, depositando o ônus político no colo do Congresso Nacional.
Mas, para que obtenha o resultado político desejado, um mísero detalhe torna-se intuitivamente inegociável: caberia ao Bolsonaro, ou ao Presidente da República da vez, comunicar-se ao vivo, dispensando a formalidade, a frieza, a artificialidade e o descrédito do modelo tradicional de uso costumeiro da cadeia nacional. Poderia montar uma estrutura similar a que utiliza em suas lives nas redes sociais, de êxito comprovado e que o levou a ser Chefe de Estado e de Governo. Convidados políticos ou experts importantes, conexão simultânea com a internet para tirar dúvidas das pessoas nos 10 minutos finais, dentre outras táticas legítimas e aptas ao fortalecimento da democracia direta e participativa como fator de contenção de abusos parlamentares cometidos pela via representativa. Tudo se resume a uma mera mudança de hábito no emprego de uma ferramenta de comunicação há décadas existente e – ouso dizer – jamais aproveitada em seu máximo potencial.
Feito isso, nada politicamente coagiria o Presidente da República a nomear mais 7 ministros e gerar gastos infrutíferos com ministérios que, como Chefe de Governo, de Poder e representante de milhões de eleitores, havia decidido legitimamente desidratar. Ademais, ministros são homens de confiança do Presidente da República. Como corolário do princípio da harmonia entre Poderes (CF,2.º), Legislativo não tem poder para lhe impor o dever de nomear subordinados diretos, suprindo ao arbítrio a ausência de regra constitucional que inequivocamente o impusesse. Ainda mais tendo em conta que estes agentes públicos são de livre nomeação e exoneração, por critério exclusivo e subjetivo do Presidente. Seria um paradoxo. Seria, mas não é, exatamente porque a Constituição não o obriga a isso.
Naturalmente, o segundo questionamento foi implicitamente respondido. Bolsonaro, para fazer o Congresso Nacional assumir o seu prioritário papel de legislar em sincronismo com os interesses da população e do país, e para resgatar a força do Executivo, harmonizando os três Poderes, não precisa ceder a interesses de conveniência de deputados e senadores, e tampouco abaixar a cabeça para cumprir decisões aberrantes do STF, tal como a que se intrometeu na política industrial e econômica do Estado brasileiro, proferidas sem a mínima competência constitucional e técnica para tanto. Compreensível: numa ditadura do judiciário como a vigente, a Corte Suprema abster-se de julgar o que não lhe diga respeito, presumivelmente caracterizaria postura “demeritória” e de “extrema humilhação“, na ótica dos intocáveis. Não de todos, creio, apesar de, por instinto de sobrevivência, todos estarem no mesmo barco furado e acabarem se blindando coletivamente.
Repito novamente o que já disse em outros textos: a impermanência é princípio universal. O caos, fomentado pela balbúrdia, desordem, banalização das leis e impunidade, e que domina o país há pelo menos 20 anos, ainda não chegou ao fundo. Quando atingi-lo, implodirá, dando início à fase de crescimento e prosperidade longínqua que o Brasil e as novas e futuras gerações experimentarão. Os entraves legislativos e judiciais são simplesmente “meros” obstáculos agravantes do caos e simultaneamente propulsores de uma ruptura mais acelerada do resiliente e perverso mecanismo. Aguardemos para conferir.