O sentido da vida justifica o “direito” que temos! Fazer o que senão chorar?

Renato R Gomes Administrador

Cansei, sinceramente. Enojado das notícias diárias; jurídicas, inclusive. Quase nada

agrega valor ou propõe soluções para a superação do Estado de Anarquia, de não Direito e Cleptocrático vigente. Pouquíssimas exceções, graças à lucidez de juristas sérios que ainda temos, como Fábio Medina Osório, demonstrada em artigo recente.  Por que isso?  Vou especular em função das necessidades pelas quais buscam ou lutam os seres humanos, conscientes ou não. Necessidades que, de certo modo, influenciam o comportamento das pessoas em geral, e dos especialistas e profissionais do Direito, em especial. A elas.

Necessidade de certeza/segurança. O ser humano adulto, tendencialmente, é avesso a riscos. Toma decisões normalmente condicionadas à possibilidade de ter o controle sobre o resultado de seus atos. A natureza aventureira e pautada na curiosidade pela descoberta e pelo aprendizado, inerente ao agir da criança, morreu. Morreu, em razão dos mitos e crenças implantados em suas respectivas cabeças pela família, escola e por demais influências entorpecidas. Mitos e crenças, agora, enraizados e constantemente reforçados pela adesão ao “efeito manada” predominante no ambiente externo. Mais confortável seguir a maioria, apegando-se ao viés de confirmação heurístico, do que pensar e decidir “remar contra a maré”, desconstruindo ou remodelando as raízes cimentadas imprudentemente no subconsciente.

No que tange ao “direito” brasileiro, compreensível a pouca ousadia de grande maioria dos juristas e juízes em inovar nas teses ou em construir argumentações sólidas e coerentes, desapegadas dos interesses entranhados no status quo que “berra mais alto” ou dos que exercem o poder político ou institucional. Afinal, por que do jurista abrir mão da “segurança” conquistada pelos títulos acadêmicos, traduzidos em reconhecimento, passando a ter que se defender de uma saraivada de críticas sobre sua teoria inovadora? Por que do juiz ameaçar a “tranqüilidade” e o “conforto” da sua posição no cargo, sendo obrigado a “dar satisfações” aos tribunais superiores, justificando o porquê de não ser verdade que a fundamentação de sua decisão não fez “o rabo balançar o cachorro”?

Naturalmente compreensível o fato de nosso “direito” brasileiro vir sendo engolido por inteiro, reiteradamente, pela realidade-anaconda. E, o bom Direito, eficaz, confiável (…), que se dane ele; às favas para a resolução dos problemas sociais, com a indispensável colocação de ordem na casa. Vale, sim, o discurso hipócrita do “politicamente correto”. Novamente o Rio de Janeiro como parâmetro: nem a falência da segurança pública, sintetizada na empiricamente constatável criminalidade excessiva que se impõe e deixa os cidadãos de joelhos, mostra-se suficiente para fazer com que o discurso jurídico evolua! Bate-se na intervenção federal decretada pelo mero prazer ideológico de ser do contra; mas, efetivamente, nada se propõe como contrapartida!

Necessidade de incerteza/variedade. Se, por um lado, o ser humano tem aversão à falta de controle sobre as consequências de suas decisões (“riscos”), por outro, gosta de novidades: ninguém aguentaria levar a vida “confortavelmente”, se tivesse conhecimento prévio de tudo o que fosse ocorrer no futuro. Tédio, desânimo, desmotivação e diversas outras sensações negativas reinariam.

Como conciliar então a necessidade de certeza/segurança, com a necessidade de incerteza/novidade? Simples: aceitamos a incerteza dos efeitos, desde que estes sejam controláveis. Eis aqui o empecilho: impossível prevermos a possibilidade de controlarmos o resultado de nossas ações! Daí por que tantas pessoas preferem reclamar da própria vida e acusar o outro pela responsabilidade de estar em estado de inconformismo ou infelicidade, ao invés de iniciar novos estudos, buscar conhecimento, autodesenvolver-se, tornar-se um eterno aprendiz, saindo da sua zona de (des)conforto. Agir ou fazer diferente requer esforço, determinação, resiliência, persistência, visão. Mas, pagar o preço, é para poucos corajosos.

No “direito” brasileiro, quando especialistas propõem algo novo, escoram-se na autoridade acadêmica ou institucional da qual desfrutam. Contam, portanto, com o respaldo do reconhecimento formal-acadêmico, ou com a blindagem que o poder do cargo lhes assegura. Para o jurista-padrão, se a tese criada terá ou não aplicabilidade prática ou promoverá a indispensável eficácia no meio social, pouco importa: o seu ego sairá vitorioso, sem possibilidade de as consequências – juridicamente “boas” ou “ruins” – afetá-los na autoimagem.

Similarmente ocorre com as decisões judiciais: se a inovação do juiz foi jurídica e socialmente satisfatória, ganha ele em reconhecimento e prestígio. Caso contrário, está imune por força de lei (art.41, da LOMAN), o que é justificável para a sua proteção contra perseguições políticas, por ter desatendido a interesses de poderosos. O problema é quando a “invenção” vem da cúpula do poder judiciário, despreza o que está escrito na lei, arrasa a credibilidade do Direito e a imagem do próprio tribunal perante a população.

A tese doutrinária, “comprada” pelo STF, de que cabe ao preso o direito à indenização de 2 mil reais por danos morais, pagos pelo Estado, pelo “coitado” não estar custodiado em cela com “ar condicionado, banho quente e netflix”, denota a hipocrisia em torno da teorização do Direito e, com esta, a virada de costas que juristas-padrão dão para os direitos humanos dos humanos direitos, parafraseando o inteligente General Heleno. A argumentação por meio da racionalização e da pura retórica, dando aparência jurídica ao injustificável socialmente, transforma o Estado de Anomalia jurídica em estado de “direito”. E, como de costume, é a população quem absorve os resultados produzidos.

Necessidade de sentido para a vida. É uma necessidade quase que inconsciente. Por que as pessoas fazem o que fazem, ou deixam de fazer o que deveriam ou têm vontade? O que faz um político dilapidar o erário, visando ao enriquecimento pessoal insaciável? Acha mesmo que nada vai lhe acontecer? Que a vida se esgota no período entre o nascimento e a morte? Será que tem fé cega de que vai carregar para o túmulo os 52 milhões de reais que furtou da população e guardava caridosamente num modesto apartamento?

O que leva um juiz a espernear por uma possível perda de privilégio esdrúxulo e moralmente injustificável como o auxílio-moradia, criado com o propósito nítido, e já confessado por quem os recebe, de burlar a falta de reajuste salarial constitucionalmente previsto e devido, mas politicamente desrespeitado?  Por que o agente público, ao invés de zelar pela boa atuação profissional, dando o melhor de si, fica reclamando da vida, autovitimizando-se, ou culpando os políticos, a Deus e ao mundo, pelos seus lamentos? Por que o juiz-padrão fica de “olho grande” na remuneração de outras carreiras, comparando-se, sentindo-se injustiçado e, inclusive, criando decisões contrárias ao texto da lei, baseando-se puramente na inveja que o domina e na sanha por vingança contra inimigo que só existe dentro de sua mente infantil e doentia? E por aí vai. Respostas?

Estão todos literalmente perdidos na vida. Andam e giram num ciclo vicioso, caracterizado por uma rotina e um estilo de vida cujo o ter, o adquirir, o possuir é o foco. O sentido da vida, em essência, presumo que, para eles, seja usufruir ao máximo dos prazeres materiais. E sem sair da zona de conforto conquistada, obviamente. Com essa leitura materialista do viver, fácil percebermos, intuitivamente, o porquê das pessoas, em sua maioria, estarem se lixando para o autodesenvolvimento pessoal. Não querem “ser” melhores; querem, sim, “ter” mais; “ter” o que o vizinho tem, ou, ainda, impedir que o outro também conquiste algo que já possui. A inveja, a comparação e a competição despropositada com o outro imperam. Senso de cooperação? O que é isto? Os vícios de caráter, forjados pelo meio, passam a ser considerados “normais”, incorrigíveis porque justificados pelas circunstâncias externas.

Na academia ou no ensino formal, o sentido da vida, para juristas-padrão, vejo-o como sendo a busca pelo reconhecimento, pela notoriedade, pelo poder de influência, pela autoridade. Compreensível, logicamente, a ineficiência e a ausência de credibilidade do “direito”: com cada um olhando para o próprio umbigo, natural que o “direito” não tenha um embasamento teórico com viés altruísta, ou – dito de outra forma – não seja teorizado honestamente para solucionar problemas dos cidadãos e da sociedade. Na verdade, o “direito” brasileiro, que chamo de esquizofrênico, significa “manipulação institucional da lei”. Nenhuma surpresa, em se tratando de Brasil, onde grande massa de pessoas – dentre as quais políticos, juristas, juízes e profissionais do Direito – vive sem encontrar sentido ou propósito na vida para agirem com honestidade intelectual, espírito do altruísmo, colocando-se no lugar do outro, primando pela regra de ouro. A realidade fala por si; e não caiu de paraquedas.

Necessidade de amor/respeito. Se o sentido da vida, para a maioria, tem beirado o egocentrismo, difícil prognosticarmos um ambiente acadêmico ou institucional, em que o amor ou o respeito ao próximo ou, mais especificamente, a preocupação com a promoção do bem-estar e a segurança dos cidadãos, seja o padrão. Amor? Respeito? “Só para os meus”! Para o egocêntrico, “o meu interesse em primeiro lugar”.

Para o (mau) político, o que importa é o bolso cheio e o controle da máquina pública. Para o jurista-padrão ideólogo, vaidoso, arrogante e invejoso, vale é o reconhecimento, o prestígio, ao preço da defesa do “politicamente correto”; do respeito falacioso às regras de uma democracia que, de fato, inexiste; e do grito enfático em prol dos direitos humanos de pessoas desumanas. Para o juiz que está no lugar errado, quer é a manutenção do poder, dos privilégios, da situação paquidérmica e doente atual, que o permite decidir como quiser – contrariamente às leis e à Constituição, inclusive -, sem que nada lhe aconteça, como regra habitual.

Consequência: maus exemplos vindos de cima acirram os ânimos no andar de baixo. Se os cidadãos não conseguem descobrir o sentido para a própria vida, estando sem perspectivas, e ainda são obrigados a engolir a seco e de mãos atadas as pilantragens impunes por parte daqueles que deveriam lhes servir, também fica compreensível o crescimento da intolerância pessoal e da violência no dia a dia. Rio de Janeiro, de novo, na crista da onda!

Necessidade de crescimento. O ser humano tem a necessidade de crescer. Não só fisicamente, como também intelectual, emocional e espiritualmente. Quando o sujeito interrompe o projeto de autocrescimento, ou deixa de ter objetivos voltados ao autodesenvolvimento, começa inconscientemente a morrer.

No “direito” brasileiro, o crescimento prioritário que os especialistas buscam, indiscutivelmente, é o intelectual. Intelectual, que irá aparentemente se confirmar com aquisição de títulos (pós-graduação, mestrado, doutorado, PhD), cujo propósito é a concretização da necessidade de reconhecimento, a qual dá sentido ao que faz ou deixa de fazer. Ou, talvez, crescimento intelectual que se satisfaça com a mera aprovação em concurso público. O sentido para a vida provavelmente será preenchido pelo prestígio e poder conquistados, atinentes à nova posição de dependência do Estado.

O que o indivíduo não percebe é que, com o enfoque exclusivo no crescimento intelectual e na aquisição cada vez maior de conhecimento, ele tende a tornar-se vítima de si próprio: naturalmente, vai apegar-se ao seu conhecimento, às suas crenças e convicções, fechando os ouvidos e fazendo vista grossa para o que afrontar o seu “entendimento”. Não sabe que o sujeito carente de inteligência emocional torna-se racionalmente frágil, intelectualmente menos inteligente; que, sem inteligência social, tem dificuldades de se relacionar ou de compreender o outro no ambiente de inter-relação social. Geração de empatia? O que é isto? O espiritualmente pobre é incapaz de aprender com os próprios erros, de assumir a autorresponsabilidade pela vida que tem hoje, o que, no apagar das luzes, transformar-se-á em fonte de sofrimentos. “Por que comigo? É ‘injusto’!” Discursos da (auto)vitimização, da atribuição de culpa a terceiros como os responsáveis pela própria condição indesejada, da racionalização para justificar o “erro” ou o “imoral” são típicos dos que desconhecem o que seja inteligência espiritual.  Trabalhar as inteligências emocional, social e espiritual, ou o autodesenvolvimento pessoal? Bobagem; “coisa para fracos”; modismos, como entende sarcática e ignorantemente a sumidade do “direito”, Lenio Streck.

Necessidade de contribuição. Inegável: a felicidade está diretamente vinculada à quantidade de valor que agregamos espontaneamente a outros. Quanto mais fazemos o bem e geramos benefícios às pessoas, mais teremos a nossa necessidade de contribuir preenchida. Assim pensam os grandes líderes mundiais de ontem e de hoje.

Mas, no “direito” brasileiro, a necessidade de contribuição, para os que a tem como objetivo, é voltada à autopromoção, ao reconhecimento público, ao fortalecimento do ego.  O modelo de jurista brasileiro não está preocupado com a construção de um Direito eficaz ou país decente, com instituições de referência. Somos motivos de chacota no exterior. A teorização é como um jogo de cartas marcadas: uma circulação de ideias lançadas, onde os egos em interação são reciprocamente acariciados e todos saem envaidecidos.

Solução? Prezado leitor, vou ficar lhe devendo, tudo bem?

“O que o ajuda a sustentar o estado de êxtase é a liberdade de ser você mesmo e poder amar desinteressadamente. É a capacidade de estar livre para seguir os sinais que a natureza lhe dá, tanto interna quanto externamente, sem se prender a um resultado específico. Mas, para isso, precisamos abrir mão da necessidade de garantias e da ideia de que tudo precisa ser absolutamente seguro. Essa segurança que você procura é uma ilusão criada pela mente, é um truque do ego, pois isso não existe. Somente quando nos abrimos para o campo infinito de possibilidades que a sabedoria da incerteza proporciona é que podemos experienciar o entusiasmo da vida. Se você acha que a vida tem que ser uma receita de bolo da qual você sabe de cor os ingredientes e o sabor, você perde o entusiasmo de viver e começa a cavar a cova. Cada ação é apenas uma enxadada para cavar o buraco  em que você será enterrado. (…) Porque, ao deixar de viver o mistério da vida para manter sua falsa segurança, você está somente esperando a morte chegar.” Sri Prem Baba. Transformando o sofrimento em alegria. Ebook Kindle.