Ministério Público Federal: uma espécie de quarto Poder que precisa de freios.

Renato R Gomes Administrador

O Ministério Público Federal disse que

Sérgio Moro, como Ministro da Justiça, não poderia ter atendido o pedido do Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, responsável pelas atividades de inteligência do Governo Federal, que pleiteara o auxílio da Força Nacional de Segurança Pública para atuar preventivamente contra potenciais atos de baderna no Distrito Federal, presumidamente programados, mas feliz e previamente descobertos pelo GSI.

O MPF constatou que a lei 11.473/2007 “que rege a atuação da Força Nacional de Segurança Pública não regula especificamente a instituição e as hipóteses de mobilização desse aparato, mas a cooperação federativa no âmbito da segurança pública.” Então, a Procuradoria da República “entende” que deve a lei ser “interpretada” “à luz” da Constituição. Neste sentido, a atuação da Força Nacional “não pode servir de sucedâneo à intervenção federal em um ente federativo, visto que a intervenção federal em estados e no Distrito Federal está restrita às hipóteses do artigo 34 da Constituição Federal e depende da estrita observância dos procedimentos regulados no artigo 36 subsequente”.

Ocorre que o “à luz da CF“, segundo o MPF, está muito mais para “à sombra“: a Força Nacional somente poderia “contribuir” com a segurança pública, somando-se à Polícia Militar, Civil ou Polícia Federal, por exemplo. Mas, se tiver que agir preventiva e ostensivamente, ou em tarefa investigativa, azar da segurança pública: o direito à balbúrdia estará garantido. Inversão de valores insana.

Pior: o MPF fez uma comparação totalmente descabida com as hipóteses de intervenção federal fixadas na Constituição. Descabida, porque, para se justificar a intervenção, necessário se faz um dano concreto ou uma violação normativa inequívoca no âmbito do Distrito Federal, da lavra de um ou mais dos poderes constituídos, seja o Governador, o Judiciário ou a Câmara Legislativa. Inexistem; tudo normalizado.

Ora, se é incabível a intervenção federal com base em prognoses firmadas em dados colhidos pelo serviço oficial de inteligência, obviamente que a Força Nacional de Segurança Pública não só precisa, mas tem o dever implícito de suprir esse déficit de regulamentação expressa, obstando, assim, um provável e inadmissível caos maliciosamente articulado para a capital do país da impunidade generalizada.

O mais interessante e trágico de tudo isso: o MPF pode “entender” ou “interpretar” como lhe dê na telha, pois nada, absolutamente nada acontece ao procurador: é faticamente inimputável, porque o corporativismo e o sistema jurídico doentio o protege.

Por outro lado, o Ministro da Justiça e o Presidente da República, sobretudo este, Chefe de Governo, de Estado e de Poder, eleito por 57 milhões de votos, estão proibidos de formar entendimentos, porque assim é a mera vontade dos imaculados “fiscais da lei”. A Portaria 441/2019, por isso, seria nula, pois ambos não teriam competência para interpretarem nada, devendo engolir quaisquer aberrações dos concursados procuradores e juízes sem votos e política e socialmente descompromissados com a ordem e a segurança públicas.

O que caberia ao Ministro Moro fazer, diante desse “entendimentoconstitucionalmente infundado do MPF?

Poderia, primeiramente, ignorá-lo: absurdo jurídico não é Direito. Além disso, como subordinado do Chefe da Força Nacional – o Presidente da República – e responsável direto por comandá-la e assegurar a ordem pública, não deve dar ouvidos a curiosos “achistas”, que supostamente sequer acesso tiveram ou têm às informações da inteligência.

Poderia também lembrar ao MPF que não existe Poder Moderador no país e nem outra espécie de quarto Poder. Em assim sendo, não é papel do MPF censurar uma interpretação da lei, feita pelo Ministro da Justiça, com o total respaldo do Presidente da República. Em linguagem fácil: cada macaco no seu galho.

Por fim, o Ministro poderia buscar uma autorização do STF, para rechaçar qualquer dúvida quanto à constitucionalidade do emprego preventivo da Força Nacional. Disse “poderia”, mas não deveria de jeito algum.

Primeiro, porque a lei não veda este uso preventivo. Não o previu expressamente, porque foi incogitável aos parlamentares pressupor que vandalismos premeditados pudessem vir a ocorrer em plena luz do dia, na capital federal. Como a lei não o proíbe, o Chefe do Poder Executivo tem total competência para interpretá-la no sentido de respaldar a ação de prevenção requerida pelo GSI.

O Presidente da República jurou defender a Constituição, é também guardião de seu conteúdo e, ainda, o responsável por zelar pela segurança pública, via comandos das Polícias Federais e Forças Armadas, se for o caso. O MPF e quaisquer outros membros do Judiciário ou Legislativo têm o dever de respeitá-lo como Chefe de Governo e do Poder Executivo, acatando o seu entendimento legítimo e fundamentado na garantia da ordem e segurança públicas, plenamente abraçado pela Constituição (CF,144).

Segundo, acionar o STF para conseguir uma chancela de uma interpretação legítima da lei feita pelo Ministro da Justiça – e, em última instância, pelo Chefe do Executivo -, visando a impedir ameaças de desordens identificadas pelo serviço de inteligência governamental, equivale a colocar um Chefe de Poder, o Executivo, subordinado a outro Poder, o Judiciário, que, ademais, nenhuma responsabilidade tem pelas políticas de segurança pública.

O STF não é Poder Moderador e não tem sempre a última palavra nas questões jurídicas, não obstante desconhecer isso na prática. Igualar a função de guardião com o sentido de “ter o monopólio de dar a palavra jurídica final” é semântica, institucional e constitucionalmente insustentável.

Se tivesse que apontar as três maiores falácias do “direito” brasileiro, sem pestanejar, esta estaria dentre as inqualificáveis “vencedoras”.

Por fim, judicializar a questão exigiria provas. Ou seja, as informações da inteligência teriam que ser abertas para o STF, a fim de que a Corte pudesse fazer “juízo de valor” sobre a controvérsia inutilmente criada e, num lance de lucidez, deferir o pedido.

Contudo, o Tribunal poderia também fazer um “juízo de valor negativo” e indeferir a utilização preventiva da Força Nacional.

Consequências: dados da inteligência seriam vazados desnecessariamente e, a se confirmarem mais à frente, as arruaças estariam livres, leves e soltas. Além, naturalmente, de a harmonia entre os Poderes ter se afundado terra adentro, porque o Executivo terá aberto mão de exercer diretamente uma competência sua (interpretar as leis em favor de políticas legítimas de segurança), entregando-a de bandeja ao STF.

Tempos estranhos esses… Mas confiemos: as mudanças de que o Brasil carece virão, independentemente das pretensões humanas contrárias e com propósitos criminosos. A conferir.