O que Anitta pode ensinar a quem estuda “direito” e quer aprender Direito?

Renato R Gomes Administrador

Anitta: eleita a mulher do ano 2017. Não entrarei no mérito da qualidade da sua música. Não me importa: gosto é subjetivo.

Seria arrogância de minha parte criticar os adeptos de seu “pop-funk”, apesar de não ser o som de minha preferência auditiva. Particularmente, não vejo razão para qualquer indignação pela escolha da Anitta para recebimento do prêmio. Diferentemente da Cláudia Wild, que se sentiu inicialmente indignada com a decisão da imprensa, fiquei feliz pela artista.

Ter sido eleita a mulher do ano pela imprensa não significa que seja ela a representante da mulher brasileira de modo geral. Discordo dos que, mesmo reconhecendo o seu mérito, interpretam o seu reconhecimento pela mídia como se ela identificasse o padrão da mulher brasileira sob todos os critérios possíveis e, daí, concluem que ela – ou o seu reconhecimento como mulher do ano de 2017 – materializa a falência da educação e da cultura nacional, como o fez a Claudia Wild, pelo que compreendi.     Creio que foi uma leitura inadequada de um evento meramente comemorativo, traduzido como se fosse um efeito do contexto brasileiro deplorável. Deplorável sob diversos aspectos: educacional, intelectual, cultural, político, econômico, jurídico, e por aí vai. Mas também foi uma opinião manifestada com muita honestidade e sinceridade, bicando para longe a versão politicamente correta.

Acho que consigo fazer uma outra leitura do fato, pegando emprestadas as boas ideias da Claudia Wild, mas igualmente “knockouteando” o politicamente correto. Direciono minha análise para responder as seguintes perguntas: i) O que simboliza a Anitta como mulher do ano de 2017? ii) O que, de positivo, o padrão Anitta pode servir para os que estudam “direito”? Vamos ver.

A Cláudia Wild, baseando-se no conteúdo do vídeo “Vai Malandra”, lançou ironias, com pitadas de sarcasmo:

“Eu fui imperdoavelmente ingênua e injusta com a imprensa brasileira. O título é merecidamente dela. Ela poderia ser, por exemplo, a perfeita musa do STF. Certa feita, a presidente da instituição, Carmen Lúcia, convidou Caetano Veloso para cantar nosso hino em uma solenidade oficial. A partir de agora, a convidada deveria ser ela. Porém, não para cantar nosso salmo patriótico. E sim apresentar-se exatamente como no seu último vídeo, fazendo as mesmas coreografias que fez em cima de uma laje na favela, rodeada de corpos desnudos exibindo nosso orgulho nacional.”

Inicialmente, afirmo honestamente, sem ironia: Anitta mereceu ser escolhida a mulher do ano. A Claudia disse ironicamente ter sido “injusta” com a imprensa, por tê-la premiado. Por que achei verdadeiramente justo? Porque interpreto o fato por outro ponto de vista: “mulher do ano”, como sendo o reconhecimento da história de vida da Anitta, menina que nasceu pobre, superou dificuldades, jamais desistiu de seus objetivos e que, hoje, prospera nacional e internacionalmente. Músicas? Videoclipes? Secundários, irrelevantes, sob o aspecto pelo qual analiso o acontecimento.

“Mulher do ano” significa que uma vida vivida com trabalho honesto e lícito pode ser recompensada. Se a pessoa for persistente nas ações, resiliente para aguentar reflexos negativos de fracassos eventuais e inevitáveis, sincera em sua comunicação, tem objetivos claros e propósito que os justifique, o sucesso tende a ser questão de tempo, como demonstram histórias de vida narradas em excelentes biografias disponíveis no mercado. “Mulher do ano” é reconhecimento do sucesso individual, da meritocracia. Eis aí a resposta à pergunta inicial, o que simboliza a escolha de Anitta pela imprensa. Estou com o Nelson Motta.

Partindo desta premissa, qualificar Anitta, ser humano, artista, como a musa do STF? Inadimissível! Uma afronta; uma ofensa; um desrespeito à dignidade da… Anitta, obviamente! Anitta é exemplo de sucesso; o STF, de fracasso. Anitta é modelo de superação: saiu da pobreza e conquistou a prosperidade e o respeito popular e de profissionais; o STF, é símbolo de autodestruição, autofagia institucional. Anitta é modelo de ação com foco apurado, coragem, ousadia; STF, comandada pela Carmen Lúcia, de omissãoleniênciacovardia. Anitta, por mais que não gostemos de sua arte, irradia alegria, esperança, luz; o STF, por outro lado, estupra a Constituição, liberta estupradores, absolve corruptos “no escuro”, indeniza bandidos mas nega o direito à família de policiais assassinados – dentre outras peripécias supremas – e deixa a população desalentada, entristecida, indignada, politicamente descrente. Denotação das trevas.

Entretanto, podemos dissociar a Anitta, pessoa digna, honesta, vitoriosa, próspera, de sua personagem do videoclipe, a Malandra da Laje, que inspirou a imaginação de mais de um milhão de curtidores no YouTube. A Anitta, não vejo qualquer problema ou desonra institucional em convidá-la para cantar o hino nacional, seja em qual cerimônia for. Desde que numa instituição séria. Longe de ser depravada ou pedófila! Discordo da ironia da Cláudia Wild neste ponto.

A Malandra da Laje, a personagem picante, sim, poderia ser a musa do STF. Mas seria honroso demais ainda para esta Corte, que não se cansa de cortar a nossa esperança de viver num país de primeiro mundo, algum dia desses! Estaríamos, na prática, menosprezando os valores das mulheres belas e alegres das favelas, que, pelo simples fato de pegarem sol de biquini em suas famosas lajes, acabam sendo tratadas com desdém. Faria apenas uma concessão: se eu fosse a Anitta, autorizaria o uso do vídeo “Vai Malandra” na abertura das sessões oficiais de julgamentos em Plenário ou, pelo menos, na segunda turma, em homenagem ao nosso incrível Papai Noel supremo.

Vamos, então, para a segunda questão: em que a Anitta pode influenciar positivamente quem estuda ou trabalha com o “direito”? Pego mais um trecho do texto da Claudia Wild, bastante sugestivo, leitor, que servirá de base para a resposta.

“Ninguém melhor do que ela para representar nossa cultura. O Brasil é hoje Anitta. Anitta é o expoente cultural máximo daquilo que o nosso país produziu nas últimas décadas. Ela retrata com exatidão o resumo das reflexões particulares sobre a realidade, apresentada pelos nossos festejados filósofos desta geração. Filósofos que igualam soldados espartanos – em batalha para defesa de seus territórios – com os covardes terroristas islâmicos; que apresentam frases baratas de botequim como o ápice do pensamento filosófico; que cortejam uma ideologia pestífera para, de forma falaciosa, justificá-la em cursos de autoajuda e de canalhice travestida de doutrina social.”

Acho que a Claudia partiu de pressuposto errado. Anitta não é expoente da cultura produzida por nosso país. De modo algum! Anitta é, sim, a Malandra no bom sentido. Intuitivamente, percebeu que o ensino falido e doente que temos há décadas é para poucos “espertos” (os que têm renda para bancá-lo). E que, além de seletivo e discriminatório, não garante sucesso na vida. No máximo, talvez facilite a aquisição de um emprego e a dependência, ao longo da atividade empregatícia, de uma previdência estatal com seus dias de farra e desperdícios contados.

A inteligente “malandra” decidiu desviar-se da domesticação formal feita por professores, mestres e doutores já domesticados e cegados pelo sistema viciado, e distanciar-se de uma futura “oportunidade” de conquistar uma “segurança financeira” enganosa e medíocre, castradora do potencial humano, mas explicavelmente idealizada num contexto habitualmente caótico. Deu no que deu: Salve, Anitta!

Com todo respeito à Cláudia Wild, o “expoente cultural máximo” de nossa cultura nada tem a ver com a Anitta. Pressuponho que cultura esteja associada ao ensino e ao estudo formal, ortodoxo. Ao padrão de educação preponderante no país. Anitta, definitivamente, está fora desse ambiente. Venceu, independentemente de paternalismo estatal. Demonstrou ter, no mínimo, inteligência emocional e social. Digo que a educação de Anitta é heterodoxa, “fora da curva”. Educação pela experiência, não obstante a sua juventude. Tal como o foi a educação de Sílvio Santos e outros modelos indiscutíveis de sucesso, cada um na sua área.

Contudo, o que Claudia afirmou em relação aos “nossos festejados filósofos desta geração”, estendo a íntegra a uma grande parcela de juristas e professores universitários de “direito”. Deixo só a referência à autoajuda de lado. Alunos proibidos de desenvolver argumentação própria; limitados a repetir o que os “doutos” dizem em sala de aula ou nos manuais a respeito do assunto; exclusivamente preocupados em passar nas provas. Doutrinação que permanece após o bacharelado nos preparatórios para a OAB, e mesmo como advogados, quando em preparação para ingresso na Magistratura, no Ministério Público e em qualquer outro cargo público. Óbvio que cargos políticos são exceções: para acessá-los, somente após uma experiência prática de malandragem no mau sentido, o que, felizmente, não é para todos. E depois de tantas evidências das causas do descrédito do “direito”, ainda somos obrigados a escutar da boca de “especialistas”, após divulgação de interpretações ou decisões judiciais aberrantes, geradoras de perplexidades, que “o ‘direito’ é assim mesmo”, “o povo quer vingança”, e outras patifarias do gênero!

Respondendo à segunda pergunta: Anitta seguiu caminhos não-convencionais e prosperou. Não se deixou domesticar. Não se importou com opiniões alheias destrutivas. Objetivamente, agiu com honestidade, autenticidade, licitamente. Perseverou; chegou ao “céu”. Este é o que denomino padrão Anitta.

Você, leitor, que estuda “direito”; que está inconformado com a realidade e desmotivado com o estudo; que não compreende a omissão de “juristas” ou o fato de muitos acharem “normal” ou juridicamente “aceitável” decisões judiciais do padrão Gilmar Mendes; você, leitor, que, apesar dos descalabros que presencia e sente na pele, ainda tem a intenção de aprender, de agregar valor à academia e, sobretudo, de usar o seu conhecimento para contribuir socialmente, sugiro a você: pegue o padrão Anitta como método contraintuitivo, e o adapte ao estudo do Direito, para limpar a sujeira que impede o seu aprendizado jurídico.

Como? Adotando alguns comportamentos simples. Exemplifico. i) Não acredite cegamente no que lhe dizem professores, ou no que você leu sobre o Direito em algum lugar. ii) Seja crítico; questione; autoquestione-se. iii) Estude assuntos extrajurídicos, mas correlatos, como psicologia cognitivo-comportamental e social, lógica, filosofia, história e tudo o mais que você considere relevante à tomada de decisões coerentes ou à criação de teorias respeitáveis e socialmente úteis sobre o seu tópico de interesse. iv) Desapegue-se de ideologias; seja intelectualmente honesto e esteja sempre disposto a defender o seu senso de coerência, mudando de posição, se for necessário. v) Aprenda a identificar juízos de valor e a respeitá-los, recusando-se a debatê-los, porque subjetivismos não se discutem: no Brasil, principalmente, você vai ganhar um inimigo. Em suma, rompa o seu padrão atual e trabalhe para internalizar o método socrático no desenvolvimento do raciocínio e na exposição dos argumentos.

Anitta, mulher do ano: reconhecimento do sucesso; da meritocracia, das conquistas de quem driblou o ensino falido, intelectualmente corrompido, e prosperou na vida. Padrão Anitta adaptado ao estudo do Direito: método contraintuitivo para direcionar condutas indispensáveis ao rompimento de padrões docentes e doutrinários de ensino indecente, domesticadores e robotizantes do aprendizado, que viabilizará a formação de um Pensador e, não, de mero repetidor de bobagens jurídicas.

Às conclusões. Primeiramente, a da Cláudia Wild:

“Eu apenas luto para que o nosso país seja bem mais do que aquilo que ela [Anitta] representa tão bem: a nossa indigência cultural e a falência total como nação, e sem a menor perspectiva de desenvolvimento. Ela é, inquestionavelmente, a musa do Brasil que deu muito errado. Musa da nossa sofrível educação e mentalidade. Mas antes que me chamem de injusta, ou me entendam errado, o trabalho dela é honesto e não há nada de ilegal em rebolar cantando algo popularesco! Seu ofício reflete somente aquilo que se tornou nosso país culturalmente: aquela parte que ela exibe com muita altivez, e que é sua marca registrada.”

Certíssima a Cláudia num ponto: somos indigentes culturais e uma nação falida; um país em desenvolvimento fictício. Tudo compatível com um legítimo Estado Cleptocrático! Mas dizer que Anitta é a representação desse status quo, data venia, nenhum sentido faz. Anitta é uma vencedora; um exemplo a ser seguido pelos que se valem da pobreza ou da falência do Estado para reclamarem da vida, autovitimizarem-se, ou mesmo para “justificarem” socialmente sua respectiva adesão à criminalidade.

Anitta é “musa do país que deu muito errado” ou da “nossa sofrível educação”? Absolutamente, não. Anitta é fruto da própria personalidade, do próprio caráter. É originária da própria inteligência emocional e social; da coragem de ter abandonado um ensino fracassado que não atendia a seus ideais. Ideais atingidos com honestidade e legalmente, como bem ressaltado pela Claudia Wild.

Mas a Cláudia não está de todo equivocada. Se imaginarmos fantasiosamente o Brasil como um país que sempre teve um sistema de ensino exemplar e com acesso disponível igualmente a todos, talvez Anitta tivesse seguido a rotina ordinária da maioria dos cidadãos e a mulher do ano de 2017 não existisse. Neste sentido, o caminho escolhido por Anitta, sim, pode ter sido motivado pela falência da educação. Mas considerá-la “musa”, como resultado da indigência cultural e educacional, jamais; empiricamente insustentável!

A mentalidade da Anitta é voltada para o sucesso; mentalidade (de) vencedora. Merece(ria) é ser estudada por psicólogos sociais sérios, pesquisadores, cientistas sociais do padrão de Daniel Kahneman e Gerd Gigerenzer. A mentalidade rica da Anitta, na verdade, está a “anos-luz de distância” da mentalidade “sofrível” e paupérrima da população brasileira.  Agora, se a produção musical da Anitta é “sofrível” ou se atende à “mentalidade sofrível” de parte significativa da população, é puro juízo de valor da Cláudia, irrelevante para efeitos de análise cultural.

Já escutei músicas e assisti vídeos da Anitta, apesar de não serem de minha preferência. Prefiro, por exemplo, Elton John, Bee Gees e Phil Collins. Mas são animados, dançantes e, por isso, alegram os “indigentes culturais”, ora negligenciados pelo sistema educacional tupiniquim. Compreensível, então, que o vazio cultural em determinadas camadas sociais seja preenchido por aqueles que o conhece, como a Anitta, que se propôs a ocupá-lo honesta e licitamente com o seu modelo “rebolativo” de arte, hoje, reconhecido nacionalmente e em expansão internacional.

Será que a grande aceitação popular do modelo “rebolativo” significa que ele tenha se tornado marca registrada da cultura nacional, como disse a Cláudia? Sinceramente, esta é uma questão que não me preocupa em nada, porque gosto cultural não retrata o caráter ou as virtudes morais das pessoas. O que de fato me incomoda e faz as minhas emoções “rebolarem” intensamente é o modelo “rebolativo” jurídico, que vem sendo implementado como marca registrada na Suprema Corte pelos onze supremos, cada vez que um deles, conscientes ou não, joga no esgoto a segurança jurídica e a credibilidade do STF como guardião da Constituição e bastião da justiça. E você, leitor: o que pensa a respeito? Aliás, se tiver dicas de como blindar as reações emotivas do modelo “rebolativo” supremo de decisão, por gentileza, registre-as nos comentários. Desde já, agradeço-lhe.