Por que o STF faz o que faz?

Renato R Gomes Administrador

Pensando no assunto, cheguei a algumas razões

para a ditadura do STF escancarada de hoje.

Primeira razão: axiológica. O ser humano age de acordo com os valores internalizados durante a sua vida, desde o nascimento até se tornar um adulto independente. Lições aprendidas, exemplos observados, experiências vividas, influência do entorno. Presumidamente, os valores morais inerentes a cada ministro estão preponderantemente vinculados a interesses egocêntricos. Os ligados ao altruísmo, à valorização da autorresponsabilidade e ao respeito à liberdade individual, evidentemente, ficam para escanteio. Ou, de modo mais técnico, ocupam uma baixíssima posição hierárquica na escala pessoal de valores que suas excelências têm para si.

Segunda razão: espiritualista. Poderia apostar: suas excelências têm visão materialista da vida e de mundo. Presumo que os ministros sejam ateus, agnósticos ou crentes num Deus, literalmente, igual a si próprio, conforme o reflexo do espelho. Na melhor das hipóteses, creem num Deus antropomórfico ou numa espécie de Ser semelhante a si em imagem, personalidade e valores. Se há ministros que acreditam em algo superior, certamente, o fazem “da boca para fora”. Afirmativa deduzida de atitudes. A ausência de fé é gritante. Aliás, não sabem o que seja isto. As decisões absurdas que vêm tomando, rasgando a Constituição a todo momento, independentemente da motivação individual, indefensável ou inconfessável de fundo, denotam o pouco caso com o zelo no exercício das atribuições. Tripudiam sobre a inteligência alheia. Pior: acham que podem controlar os efeitos dos atos que praticam. Erro grosseiro. Quem viver, verá. Inclusive, os “notáveis”, pois “a semeadura é livre, mas a colheita obrigatória”. Não é questão de crença. Ou se sabe disso, ou se ignora. A “conta” vai chegar.

Terceira razão: jurídica. A incapacidade de interpretar é inequívoca. Chego a esta conclusão por três constatações. i)  Como o STF é guardião constitucional (CF,102), os ministros entendem que apenas eles têm a competência de atribuir sentido definitivo ao texto constitucional. É uma mentira grotesca ensinada nas faculdades, incutida no inconsciente coletivo e, tragicamente, repetida aos quatro cantos por acadêmicos, “especialistas”, profissionais diversos, jornalistas, leigos em geral. Já escrevi sobre isso. Tal dogma aberrante não se sustenta, se considerarmos que a própria Constituição prescreve a “independência e harmonia entre os Poderes” (CF,2.º), não prevê Poder Moderador imperial e, ainda, estabelece competências privativas e exclusivas para os Poderes Executivo e Legislativo.

Você, leitor, alfabetizado, íntegro, inteligente, intelectualmente honesto, capaz de raciocinar, certamente deve estar compreendendo o que estou dizendo! STF inventando leis inexistentes; censurando decisões do Executivo, baseado em juízos de valor subjetivos… A realidade jurídica caótica fala por si.

ii) Os ministros selecionam o contexto a dedo, de modo a justificar sua “interpretação”. Objeções que demonstram as incoerências que defendem? Não as rebatem, porque não conseguem e nem querem fazê-lo. Na verdade, não precisam fazê-lo, porque absolutamente nada os acontece. É a regra jurisprudencial que impõem como mau exemplo. São impunes. Não são eles que dão a palavra final sobre o sentido constitucional? Ora, os que criticam as bizarrices supremas, que as engulam! Vai ficar por isso mesmo. O Executivo as chancela por omissão, quando não as acolhe por ignorância jurídica ou interesse político. Talvez, a tal da “governabilidade”, sempre ela para “justificar o injustificável… O Congresso não reage também por despreparo jurídico e desinteresse político. Hoje, pior: ambos os Poderes, Executivo e Congresso Nacional, ficam passivos por conivência política ou mesmo por instinto de sobrevivência aflorado intimamente em cada autoridade. A definhante Lava Jato que o diga…! E Ponto final.

iii) Os ministros têm, no âmago, a certeza da impunidade, fundada num misto de lei com política. A convicção de serem os únicos guardiões constitucionais, somada ao art.41, da LOMAN (Lei orgânica da magistratura) que impede que juízes sejam punidos por interpretações que façam, bem como ao rabo preso de inúmeros parlamentares processados e sujeitos à jurisdição suprema, tudo isso os deixa tranquilos: jamais sofrerão impeachment pelo Senado Federal. Além disso, têm por certo de que o art.142, da CF, nunca será invocado pelo Executivo! O comportamento de Bolsonaro já os colocou numa zona suprema de hiperconforto e segurança.

Quarta razão: ideológica. A direita venceu as eleições para a Presidência da República. No entanto, é a esquerda quem domina, de fato, os outros Poderes, os órgãos públicos, as universidades, os colégios, a imprensa, a OAB. Em outras palavra, como os “semideuses” supremos não rebatem objeções e transformam “vermelho em verde” e “verde em vermelho” quando lhes dá na telha, pois arrogaram-se o poder de fixar a “verdade jurídica” por mais sociopática que seja, logicamente, a presunção é de que, qualquer política de governo afrontosa ao núcleo do modelo esquerdista-socialista e moralmente progressista, tende a ser fragilizada, modificada ou mesmo “inconstitucionalizada”.

Para ilustrar: por que Gilmar Mendes, por liminar, suspendeu a eficácia da medida provisória que desobrigou empresas de gastarem inutilmente 1,2 bilhões/ano para publicarem balanços em jornais? Intuitivamente, a razão de fundo não seria “falta de relevância e urgência”, como alegado subjetivamente pelo ministro. Até porque a “relevância” (enxugamento de gastos de empresas que geram milhões de empregos) e “urgência” (fomentar a criação de empregos num país de milhões de desempregados, que clama pela empregabilidade e cuja Constituição tem o princípio do “pleno emprego” como diretivo da política econômica) são empiricamente constatáveis e incontestáveis. Sem falar que o significado de “relevância e urgência” é juízo de valor político do presidente da República, caso inexista violação flagrante à regra objetiva expressa. E não houve.

De fato, a medida provisória afetaria o bolso da imprensa que busca destruir o governo de direita, em conluio velado com STF e Congresso. É o mecanismo atuando incessantemente, sob a máscara de um “direito” socioeconômico disfuncional, manipulado, distorcido, criativo, mas que se adequa como uma luva à resistência institucionalizada, à manutenção e ao fortalecimento da cleptocracia em vigor há 30 anos, pelo menos.

Quinta razão: sociológica. Todo poder emana do povo e por ele será exercido, via representantes (CF,1.º, parágrafo único). Povo brasileiro, historicamente pacato, passivo, conformista, acostumado meramente a lutar para sobreviver. O STF sabe disso. No subconsciente, os ministros duvidam de uma convulsão popular que pudesse fazer o sistema político e judicial implodir, como efetivamente acontecerá, cedo ou tarde, independente da vontade humana. Nenhum caos é eterno! A postura atual do governo Bolsonaro, combatendo a instalação da CPI da Lava Toga e a abertura dos pedidos de impeachment de ministros pelo Senado, junto à convicção dos “notáveis” de que os militares nunca mais interferirão nos Poderes do Estado, de tanto que o período de regime militar anterior foi atacado e estigmatizado, dão ao STF a certeza de que pode debochar ilimitadamente da inteligência dos cidadãos.

Afinal – devem pensar os ministros -, o que uma massa de leigos em “direito” poderá fazer com o tribunal, cujo presidente é “amigo” do presidente da República, que não se cansa de falar que “está namorando e quer casar com Rodrigo Maia”, que declara, sempre que pode, sua excelente relação de “amizade” com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e, incrivelmente, apesar das absurdidades, fica dizendo que “existe harmonia e independência entre os Poderes” e, por isso, não se manifesta a respeito das idiossincrasias supremas, que angustiam e irritam ininterruptamente a grande maioria de eleitores que nele depositou inteira confiança, em prol de uma nova política com a qual havia se comprometido?

Este é paradoxo bolsonariano: grande parte de eleitores do povo que o apoiou, “antipetista”, caindo em descrença, decepcionado, irritando-se, angustiando-se, e ele, presidente, não a exergando, ignorando-a ou desprezando-a. Por outro lado, parte menor (equivocada e supostamente tida como a maior), composta de fanáticos, “milicianos virtuais”, e que endossa qualquer imbecilidade que ele faça ou diga, inclusive vendo como “normal” o descumprimento da palavra dada em campanha, no sentido de promover a nova política. Tão só a este grupo é direcionada a atenção presidencial via discursos, redes sociais, lives via internet. Erro crasso senão processo involuntário de suicídio político.

Fato: com a inevitável perda de apoio ao governo, em vista da clara adesão que fez à velha política, o potencial para que haja manifestações robustas em seu favor diminui exponencialmente. Até porque, os insatisfeitos, não são pobres; são cidadãos instruídos, da verdadeira classe média, muitos deles ricos, todos alfabetizados, enojados com o status quo. Muitos, influentes. Essa maioria vive numa zona de conforto razoável. E presumivelmente não vai mover uma palha, se não há contrapartida em atitudes do presidente; se não há mais em quem confiar, por ter jogado a palavra no lixo. Mais fácil esperar o mecanismo implodir ou aguardar 2022.

Vejo como de simples prognóstico: Bolsonaro pagará o preço lá à frente, por não ter compreendido que, de nada adiantam reformas econômicas, administrativas, de infraestrutura, dentre outras, sem o combate simultâneo e prioritário ao regime cleptocrático! Quem será o empresário doido que investirá no Brasil, com o STF ou Congresso que dão as cartas hoje? Só em pesadelo! Golpe de estado já houve, com bem explicou o Professor Carvalhosa. Sem tanques e baionetas.

Sexta razão: militar. Por que os militares não tomam as rédeas e acabam com a farra? Por que não impedem a institucionalização da corrupção, como rasgou o verbo o honradíssimo Professor Modesto Carvalhosa, demonstrando a canalhice que vem sendo patrocinada pelo Congresso e STF?

Alguns questionamentos: por que deveriam fazê-lo? Se o povo, titular do poder, vem absorvendo as picaretagens sem reação à altura, por que as Forças Armadas deveriam agir? Se o Executivo, sem saber combatê-los, optou por “juntar-se a eles” (STF e Congresso), e ainda tem apoio de parcela da população digamos “eticamente flexível”, por que as Forças Armadas deveriam intervir de ofício? Se o regime militar apanhou tanto, foi tão massacrado verbalmente, até de quem sequer era nascido na ocasião ou o vivenciou, por que os militares deveriam acabar com a cleptocracia brasileira pela força, se a população explicita estar acomodada ao contexto de insegurança jurídica, de banalização do ilícito, de roubalheira institucionalizada, de impunidade generalizada? Isto não seria a maravilhosa “democracia” com “liberdades”, ensinada nas faculdades e exaltada acriticamente pelos incautos? Não haveria um “retrocesso” política e juridicamente “inaceitável”? Então, que nós, “o povinho”, aguentemos o tranco e aprendamos o que seja “ser grato”. Porque nada é tão ruim que não possa piorar!

Particularmente, penso que, como está, as Forças Armadas não farão absolutamente nada. O povo brasileiro merece o que está acontecendo. Ele vota e elege. Ademais, o silêncio popular é eloquente e denotativo.

Sétima razão: empírica. O inquérito toffoliano, com a censura da revista eletrônica Crusoé, a invasão arbitrária das casas do general Paulo Chagas e do ex-PGR Rodrigo Janot; a invenção de regra processual repentina e inconstitucional para anular condenações criminais indiscutivelmente válidas;  declarações de “respeito” – na verdade, de subserviência – ou a passividade de Bolsonaro para com decisões insustentáveis do STF e Congresso…

Fatos são senhores de si. Ou seja, serviram para o Supremo testar o governo, a sua força; para descobrir se o presidente, chefe de Poder, e sua assessoria tinham alguma estratégia para inibi-los dentro das regras manipuláveis do jogo cleptocrático e com aparência de democrático… “Ufa!!! Governo fraco; graças ao bom ‘Deus’! Vamos com tudo!”, devem ter vibrado alguns “notáveis”…

Conclusão. Com as sete razões que apresentei, pergunto a você, estimado leitor, querida leitora: seria possível imaginarmos um Supremo Tribunal Federal diferente e, por consequência, um Brasil juridicamente ordeiro, seguro e socioeconomicamente desenvolvido? A meu ver, nem em sonho, data venia! Fica para autorreflexão.