A escalada do STF: origem, causas, e o que poderia evitá-la.

Renato R Gomes Administrador

Fase um. Quando tudo começou.

Se tivesse que apontar qual foi o início do avanço inconsequente do hoje notório ativismo judicial insano, diria que o marco zero se deu na “interpretação” constitucional que Ricardo Lewandowski fez, na posição de presidente do STF, enquanto condutor do impeachment da Dilma. Deixou evidente, nas entrelinhas, a mensagem abaixo que mais ou menos intuí:

“Nós, supremos ministros, quando manifestamos nossas vontades, estejam ou não fundamentadas nos fatos, nos textos e na lógica, dizemos ou mesmo fazemos o “direito”. Porque a Constituição é o que nós, supremos, quisermos que seja. E ai dos que discordarem: serão tachados de “antidemocráticos”, de “desrespeitosos” para com as “minorias” e a “Carta Magna”, e não escaparão de nossos veredictos persecutórios ideológico-justiceiros!”

A sinalização do supremo Ricardo foi dada em 2016. Durante os dois anos seguintes, o presidente Temer foi um dos que sentiram a implícita ira ativista judicialesca suprema. Talvez, por ter assumido o posto da “presidenta impeachimada” pelo “golpe”, tal como enxergaram o processo “juristas” esquerdistas, “jornalistas” fanáticos socialistas e certas autoridades autocratas (dentre elas, companheiros de toga), desde sempre, imunes criminalmente.

Acórdão-delação Janot-Joesley, fachinianamente aprovado, versus Temer, reforma da previdência e o Brasil, provavelmente tenha sido o símbolo maior de como o beneplácito de tão só uma canetada de um ministro que supostamente se vê como todo-poderoso pode transformar, num lapso de arbítrio, uma imoralidade grosseira (do conteúdo da delação Joesley-Janot-Fachin) em espécie de imoralidade santificada, porque envernizada por um falso moralismo pseudojurídico, empurrado institucionalmente goela abaixo de milhões de brasileiros de bem. Tudo em razão de vigorar uma distorcida leitura essencialmente materialista da vida, do país e do mundo, dentro da bolha chamada Brasília e, especificamente, na utopia em que vive a composição do STF.

No biênio 2016-2018, destaques para a PEC do teto de gastos e reforma trabalhista, ambas concretizadas e patrocinadas politicamente por Michel Temer. Supostamente, foram os mais significantes atos políticos positivos do governo Temer. Se em 2016 houve “golpe” conforme a crença de “especialistas” e de ministros militantes dissimulados, conotativa e ironicamente, de fato o foi: foi um divino golpe de sorte, ao bem da população e do Brasil.

Mas, obviamente, o ativismo judicial, egocêntrico, narcisista, socializante e autocrático, não poderia passar despercebido. No referido biênio, igualmente foi digno de realce o mencionado acórdão-delação Joesley-Janot-Fachin, de natureza criativa, socioeconomicamente lesiva e eticamente deplorável. Quando puxo as lembranças da época, uma vozinha sempre cochicha em minha consciência, aflorando uma incerteza:

“Será que houve alguma intenção inconfessável de vingança dos signatários do acórdão-delação contra o ex-presidente Temer, por ter abençoado o ´golpe´ contra a ´ex-presidenta´?” Na prática, a resposta pouco importa(rá): o passado está morto. Quem tirou lições e aprendeu, ótimo. E vida que segue.

De similar relevância invertida foi a inovadora “interpretação” constitucional fuxiana, incrementando o ativismo judicial sem freios, inventada no julgamento sobre a validade ou não do pagamento indiscriminado e acontextualizado do auxílio-moradia para juízes. Juízes, em boa parte, chorosos por aumentos de salário e adeptos do vitimismo e da autocomiseração arrogante. Como se não tivessem conquistado o cargo de magistrado por livre e espontânea escolha…

Chamo a ferramenta hermenêutica do Fux de “negociação de (in)constitucionalidade farinha pouca, meu pirão imoral primeiro”. Ou seja: “Ajude os meus e a mim, concedendo o reajuste do subsídio de juízes, que eu ajudo o povo-gado e o Brasil, anulando o modesto penduricalho financeiro que vem suprindo o não aumento legal.” Surpreendente, não? Pois é: mas ainda não sabíamos, da missa, a metade.

Fase dois. Ativismo judicial com novo foco: Bolsonaro e os seus.

Ainda em 2018, as orelhas ministeriais presumivelmente ficaram sensíveis. O candidato Bolsonaro, autêntico, empático, impulsivo e verdadeiro, já assustava. Mas havia um sério empecilho para o ativismo supremo inviabilizar o à época deputado federal: era ficha limpíssima. Absolutamente nada o desabonava. E com um agravante: o apoio popular e militar maciço se prestava a uma intimidação velada dos manipuladores-mor do “direito” e da Constituição. Daí, a atenção redobrada para captar qualquer oportunidade de obstruir a candidatura Bolsonaro virara obsessão inconfessável de “progressistas”, comunistas, feministas, pseudojornalistas e afins.

Paremos em meados de 2018. Acontece episódio teoricamente irrelevante. Contudo, provável que tenha simbolizado o que seria o governo Bolsonaro do dia da posse (01/01/2019) até então (01/10/2020). Surpreendentemente, vem sendo um governo integralmente pautado pelo politicamente correto e, nitidamente, transparece não ter a percepção disso. E, sem aperceber-se, foi se tornando paulatinamente refém do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, ambos, poderes do Estado que, em dobradinha macabra, vêm institucionalizando a desonestidade intelectual na essência de suas “interpretações” e decisões – caso do supremo – e dos discursos parlamentares – caso de congressistas. Manipulações semânticas da linguagem dos textos de lei e da Constituição, a cargo da toga; e erística, sob incumbência de políticos e – pasmem – também de ministros.

À época, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em conversa informal com alunos em um evento, foi questionado por um deles: “Eduardo, e se o seu pai vencer e, após a vitória, o TSE/STF cassar a chapa?” A resposta do deputado filho, diria que fora um misto de piada com fundo de verdade: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo.”

Não por acaso, o fato veio à tona no período da campanha. Atacado pela narrativa esquerdista vitimista com diversos termos depreciativos e, inclusive, por ministros do STF – tal como o “preferido” do Saulo Ramos -, o que fez o Eduardo? Pediu desculpas e se encolheu. Optou pela hipocrisia, em detrimento de sua autenticidade; pelo politicamente correto e pela falsidade, ao invés da sua íntima verdade, inegavelmente vista e avalizada pelos olhos de milhões de brasileiros que a endossaram.

A garantia da imunidade parlamentar por opiniões (CF,53) não foi suficiente para que conseguisse sustentar sua autenticidade, sua verdade. Desculpou-se, sabendo que estava traindo sua própria consciência. Porque, efetivamente, a cassação da chapa caracterizaria golpe judiciário, como igualmente o será, caso o TSE ouse levar essa farsa atual adiante, continuando a subestimar Bolsonaro e Mourão e, “corajosamente”, pagando para ver.

O politicamente correto é cruel. Sobretudo, quando é imposto pela toga. Pior ainda, quando generalizado pela toga suprema, em parceria com diversos agentes difusos, que a tudo distorcem, problematizam e judicializam. A razão é simples: se a crença de que “o STF tem a última palavra sempre” virou dogma irrefutável, logicamente, o ativismo judicial transformou-se em instrumento de garantia de manutenção do poder de fato dos rechaçados popularmente nas urnas, apesar do poder de direito pertencer ao presidente da República Jair Bolsonaro, vencedor do pleito eleitoral e mandatário máximo da soberania popular.

O método é dissimulado de lícito e intelectualmente pérfido: defraudamento das leis e da Constituição, manipulando-se o conteúdo de princípios e o significado da linguagem pela seleção arbitrária do contexto, além de habitualmente desprezar as regras de conduta expressas, sempre que conveniente à causa democrático-totalitária do esquerdismo.

06/09/2018: atentado contra Jair Bolsonaro e ao nosso pretenso regime democrático. As Forças Armadas foram testadas de fato pela primeira vez, desde 1988. Tentativa acintosa de golpe de estado, pela mudança forçada e criminosa do rumo eleitoral. O que efetivamente se fez? Afora conversas de bastidores, absolutamente nada. Devido à omissão do presidente Temer, seria caso evidente de atuação de ofício das Forças Armadas, nos termos do art.142, da CF, para garantir a lei, a ordem, a própria Constituição e, sobretudo, a defesa da pátria, em vista da ameaça grosseira de ruptura constitucional, sob a tutela de sociopatas, psicopatas e cleptocratas prestes a serem desalojados do poder. Todos já em polvorosa, em início de abstinência de poder e dinheiro, devido à iminência de serem defenestrados do comando da chefia do Estado, do governo e do orçamento público federal. Afinal, a derrota eleitoral para um mero deputado estigmatizado do baixo clero era premente.

Mas deputado federal que, demonstrando mais caráter, inteligência e sensibilidade do que todos os adversários em conjunto, absorveu e traduziu como ninguém os anseios de uma gigantesca população conservadora, há décadas maltratada, reprimida e desrespeitada pelo status quo.

Vitória de Bolsonaro ratificada. Fraude nas urnas presumida. Não só pelas discrepâncias entre manifestações populares de apoio nas ruas aos candidatos e o percentual final da apuração do TSE atribuído ao vencedor e o derrotado. Mas, principalmente, frente à convicta declaração do já presidente Bolsonaro, de ter provas da fraude eleitoral e que comprovariam sua vitória no primeiro turno.

Forças Armadas silentes, sem ação. Investigação da tentativa de homicídio e crime contra a segurança nacional em andamento. Pasmem: transcorridos dois anos, o ativismo judicial absurdamente age obstruindo a justiça, paralisando as investigações com firulas processuais. Ativismo judicial que, ponderando princípios ao sabor da vontade e do interesse escuso, dá mais valor ao sigilo contratual de advogados presumidamente suspeitos senão cúmplices, do que à vida do homem eleito presidente da República e mandatário maior da soberania popular.

Na certeza de que qualquer coisa se presta a  fundamentar impunemente uma decisão, fácil para um juiz, desembargador ou ministro qualquer, impedir a Polícia Federal de realizar perícias nos equipamentos apreendidos com advogados do criminoso. Mero “detalhe” se os advogados foram pagos com dinheiro em espécie e sem origem, por “fantasmas”. Também fora “bobagem” os advogados, “repentinamente”, terem surgido de jatinho para assegurarem a ampla defesa de um presumivelmente “louco” e fanático psolista sem posses. Álibi na Câmara dos Deputados, buscando – quem sabe? – safar o marginal, também não passou de uma “besteirinha”. Imagens de vídeo comprovando a existência de participação de outros delinquentes? Nada de mais, no “entendimento” criminoso da capa preta: contexto manipulado a dedo, provas colhidas seletivamente, resultado perfeitamente direcionado. Sem surpresas: bandido preso como doido e inacessível; e Judiciário negando a justiça ao atual presidente da República, ora impossibilitado de saber quem mandara matá-lo.

Afinal, não é crença absoluta e incontestável de que o STF – e, por tabela, o Judiciário – tem a última palavra sempre, pouco importando se a “interpretação” transforma crime em caridade, ou psicopata em vítima? Que paguemos o preço dessa imbecilidade institucionalizada, injustificável nos fatos, textos de lei e na lógica, que coloca praticamente a população inteira numa prisão jurídico-cognitiva do politicamente correto, da qual não consegue se libertar.

Regressemos ao ato de diplomação de Jair Bolsonaro no TSE. Mais um fato político negativamente marcante, fortalecedor implícito do ativismo judicial e, subliminarmente, fragilizador do presidente da República eleito e que sequer havia sido empossado ainda. Discurso desavergonhado e ofensivo da ministra Rosa Weber, que presidia o TSE. Direitos humanos para cá, direitos humanos para lá, cheio de indiretas ao Bolsonaro, como se verdadeiramente ele fosse um homem mau e perseguidor de minorias. Bolsonaro, visivelmente contrariado, faz o seu pronunciamento. Engoliu a seco a deselegância da suprema imaculada, perdendo uma excelente oportunidade de dar-lhe as “boas-vindas” e mostrar ao Brasil a que chegava. Como vem lhe custando caro ter deixado de se expressar com a sua autenticidade-raiz!

Bastaria, por exemplo, ter dito: “Prezada ministra, entendo a sua preocupação. Defender direitos humanos também é meu objetivo. Direitos humanos de homens de bem, honestos, trabalhadores, pais de família, empreendedores comprometidos com a prosperidade do Brasil. Direitos humanos dos que respeitam os direitos alheios e fazem jus ao respeito dos outros. A senhora tenha certeza: de minha parte, a defesa dos direitos humanos será implacável. Espero, sinceramente, que o STF faça a sua parte, e estaremos sempre em harmonia.” Fiquei no sonho.

Fase três. O ativismo judicial implacável, incontido e escancarado.

Veio a posse, e tudo começou à vera. Milhões de brasileiros, cheios de esperança e expectativas com o que prometia ser a Nova Política, tão frisada pelo novo presidente. Mas a esperança foi aos poucos se transformando em desencanto que, atualmente, possivelmente se converteu em angústia ou sofrimento por opressão.

Selecionei três fatos que considerei marcantes, por terem imperceptivelmente fragilizado o Poder Executivo, fortalecido a dobradinha Congresso-STF ou alimentado o ativismo judicial criminoso. Marcantes sob pelo menos um de três aspectos: jurídico, político ou moral. Moral, no sentido imposto pela ditadura do politicamente correto.

Fato um. Bolsonaro no exterior. O presidente em exercício, Hamilton Mourão, edita decreto 9690/19, que autorizava funcionários comissionados e de segundo escalão a classificar o grau de sigilo de documentos públicos. Congresso aprova decreto legislativo para sustar o decreto presidencial.

Por razões inconcebíveis, o presidente da República silenciou, não sabendo lidar com a primeira violência institucional contra as suas prerrogativas. E, o mais incrível: decreto presidencial, absolutamente válido, ficou sem defesa. E o decreto legislativo, absurdamente nulo, porque fundado em achismos e especulações, prevaleceu. No grito; na erística.

Bastaria o presidente da República ter dito o seguinte ao presidente da câmara e do senado: “Caros Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, como presidente da República, tenho competência exclusiva para organizar o funcionamento da administração pública federal, por decreto (CF,84,IV,VI,a), que apenas poderá ser sustado pelo Congresso Nacional se houver exorbitância na regulamentação (CF,49,V). Medos ou achismos de que as alterações feitas pelo decreto presidencial poderão afetar a transparência ou dificultar o acesso a informações de interesse do público, não são fundamentos jurídicos. São especulações sem a minima base em fatos. Daí, pergunto-lhes: onde está a exorbitância, evidenciada objetivamente, de modo que qual cidadão tenha condições de constatá-la? Qual regra legal foi violada, caracterizando inequivocamente a exorbitância do poder regulamentar do chefe do Poder Executivo? Respondo-lhes: inexistiu. Portanto, na melhor das hipóteses, dou por encerrado esse episódio, avisando-lhes que, como chefe de Estado, na garantia de meus poderes constitucionais, não reconheço a validade do decreto legislativo, em vista da flagrante usurpação de uma prerrogativa presidencial, permanecendo, então, o decreto 9690/2019 em vigor.”

Esse fato específico não tem relação direta com o ativismo judicial. Todavia, implicitamente, demonstrou enorme e infantil fragilidade, por parte do governo federal mais popularmente legítimo e juridicamente poderoso de todo o período pós-1988.

Fato dois. A decisão bizarra de Lewandowski de 2016 foi superada. Surgiu um absurdo maior: o STF resolveu criar tipo penal por decisão judicial, valendo-se de analogia. Tudo, para agradar grupo ideológico e socialmente minoritário que não conseguia fazer valer sua vontade no Congresso Nacional. Foi supremamente parido o “crime” de homofobia, após feita uma comparação esdrúxula com o racismo. A competência do congresso para legislar sobre direito penal (CF,22,I;48) e a garantia individual de que jamais haverá regra penal senão se criada por lei (CF,5.º,XXXIX) foram atropeladas.

Agora, a violência institucional foi materializada pelo ativismo supremo. O congresso chorou. E a vontade da representação da maioria popular foi ignorada. Com um agravante: criação de tipo penal, por si, não significa proteção efetiva de minorias. O próprio STF mostra isso ora sim, outra também: regras existem em abstrato, mas, na hora de serem aplicadas, rotineiramente têm sido vilipendiadas. Neste caso, o tribunal fingiu inexistirem a competência legislativa do congresso e a garantia individual de todo brasileiro de não ser surpreendido por arbítrios judiciais em matéria criminal.

O que poderia ter sido feito? Politicamente, o Senado Federal ter aberto processo de impeachment em face dos ministros responsáveis pela aberração jurídica. Juridicamente, o chefe de Estado ter invocado os art.2.º e art.142, da CF, para garantir a prerrogativa do Congresso Nacional e um dos pilares do regime democrático: a separação de poderes (CF,2.º).

Na mais leve das possibilidades, poderia ter editado um decreto presidencial, declarando não reconhecer a constitucionalidade da decisão proferida na ADO 26 (e MI 4733) e, consequentemente, autorizando o ministro da Defesa a tomar as medidas necessárias a conter quaisquer ameaças à ordem pública ou abusos do sistema de justiça contra liberdades individuais de cidadãos classificados arbitrariamente de “homofóbicos” e perseguidos institucionalmente, com fundamento em “crime” de homofobia.

Notas, resmungos, críticas, lamentos e choradeiras diversos; todos previsíveis. Mas o certo mesmo – reações institucionais duras -, não se fez. A falácia “o STF manda, obedece quem tem juízo”, fez-se valer com o aval de “especialistas” progressistas e da imprensa militante. Não por acaso, o ministro da Educação, por uma declaração infeliz, está sendo acionado na Justiça por “crime” de homofobia. Paciência: alimentou-se o dragão, que se aguente o fogo.

Fato três. Abertura do inquérito 4781 por Dias Toffoli, conhecido como inquérito do fim do mundo. Numa só canetada, o STF usurpou atribuições da polícia e do MP; acabou com a garantia do juiz natural, da imparcialidade do juiz e da ampla defesa dos acusados; infringiu a inviolabilidade domiciliar e o direito de propriedade; e atacou dois dos pilares essenciais e conexos do regime democrático: as garantias fundamentais da liberdade de expressão e da vedação da censura. Censura da revista eletrônica Crusoé por reportagem sobre o ex-presidente do STF, Dias Toffoli, e busca e apreensão na casa do general da reserva, Paulo Chagas, por críticas contundentes a atuações de ministros, foram ocorrências emblemáticas. Marco zero da criminalização de reportagens e opiniões críticas.

Penso que a instauração desse inquérito criminoso, inconstitucional e atentatório ao arremedo de democracia tupiniquim, sem que tenha havido a mínima reação do Poder Executivo e do Congresso Nacional, fez com que implodisse de vez o estado de direito e entrasse em cena a ditadura escancarada da toga esquerdista-progressista-militante. Pudores foram deixados de lado. A certeza da impunidade dos “intérpretes” das leis, o desnorteamento do Poder Executivo –  nitidamente sem saber o que fazer – e a conivência ou parceria do Poder Legislativo, com os presidentes da câmara e do senado “batendo palminhas”, deram o sinal verde que os ministros precisavam. Limites normativos tornaram-se, todos, integralmente passíveis de flexibilização.

Os cidadãos e democratas verdadeiros, indignados, batiam (e continuam batendo) sempre nas mesmas teclas: ou se protocolava pedidos de impeachment no senado, ou se recorria ao próprio STF para rever o posicionamento. Tribunal onde existem 10 ministros suspeitos (exceção do Marco Aurélio, único que votou contra o monstro ilícito, como soubemos mais à frente). Ou seja: receitas de manuais, na prática, mostra(ra)m-se inúteis. Nada obriga o presidente do senado a prosseguir com os processos de impedimento. E, sendo os ministros suspeitos, suas decisões seriam nulas e crimes de responsabilidade, tornando ações e recursos ao STF atos ilógicos e típicos de desespero por carências estratégicas.

O que pode(ria) se fazer? Novamente, a norma do art.142, da CF, apresenta(va)-se como a única solução. Porém, as dificuldades são flagrantes, pois não há respostas prontas. Consequentemente, soluções deve(ria)m ser construídas argumentativamente, com base nos fatos, textos de lei e na lógica, sem deixarem objeções levantadas em aberto. A falência do ensino jurídico-doutrinário aflorou. Construção de soluções, via desenvolvimento de raciocínio lógico-sistemático inovador, apresenta(va)-se como óbice intransponível e intelectualmente atemorizante.

Compreensível, portanto, o desconhecimento genérico de profissionais íntegros do direito, militares, “especialistas”, palpiteiros “sabem tudo”, “Marias vão com as outras” e papagaios de pirata. Explica-se naturalmente por que esse contexto caótico-“democrático” vem sendo prato cheio para que a narrativa politicamente correta surfe sozinha e dominante na onda “democrática”. Logo, muito previsível a associação do art.142, da CF, a golpe, à intervenção militar, à tendência ditatorial do presidente da República, e besteiróis congêneres.

A resposta do chefe de Estado, representante maior da soberania popular supremamente avacalhada, poderia ter sido imediata. Compartilhemos o raciocínio, tão logo eclodida a infâmia toffoliana. Inquérito totalitário instaurado, terror socialmente instalado; decreto presidencial fundado no 142, da CF, e art.15, da LC97/99, editado, com subsequente prisão em flagrante das autoridades responsáveis. Se qualquer um do povo tem potencial para efetivar prisão em flagrante (CPP,301), quanto mais o presidente da República, grosseiramente aviltado como soberano popular, chefe de Estado, chefe de governo, chefe de Poder independente (CF,2.º) e autoridade suprema das Forças Armadas (CF,84,XIII)!

Se ninguém está acima das leis (CF,1.º;5.º,I); se ninguém – quanto mais os juízes – pode alegar desconhecer as regras para justificar ilícitos (LINDB,3.º; CP,21); se o aparato policial obedece cegamente a ordens judiciais espúrias, por presumido temor reverencial, fundado sobretudo em crenças dogmáticas, e o Ministério Público Federal se mostra incapaz de inibir aberrações da lavra do tribunal de cúpula (CF,142); se violências institucionais abalam alicerces do regime vigente, configurando crimes contra a segurança nacional (lei 7170/83,17) e agressões à ordem pública, sendo, por isso, causas concretas e irrefutáveis para a conversão sucessiva de prisões em flagrante em prisões preventivas inafiançáveis (CPP,312); e se o Brasil atual pode ser qualquer coisa, menos um estado democrático de direito, com segurança jurídica, independência entre os poderes e respeito às liberdades individuais fundamentais dos brasileiros responsáveis, ordeiros, trabalhadores e de bem, por parte do sistema disfuncional de “justiça”, uma pergunta carece de resposta oficial:

O que tem de absurdo o chefe de Estado, de modo planejado e fundamentado no direito, nos fatos e na lógica, fazer ou determinar que se faça o necessário para o resgate de suas prerrogativas usurpadas e da proteção indispensável das liberdades individuais, paradoxalmente desonradas por ministros que deveriam, de fato, defendê-las?

Não houve e nem haverá resposta. A ditadura do politicamente correto nos impõe o silêncio. A prisão jurídico-cognitiva, lastreada em crenças doutrinárias insustentáveis, mas intocáveis, a todos cognitivamente enclausura e racionalmente inibe. No máximo, o que apoiadores do presidente (tal como este escritor se autodeclara) replicam são chavões permitidos pelos ditadores “progressistas” do politicamente correto e a eles convenientes. “É isso que a esquerda quer.” “O presidente será chamado de ditador.” “O STF tem a última palavra sempre; não tem o que fazer.” “Se o presidente fizer isso, sofrerá impeachment.” “O presidente não tem aval dos militares.” “O presidente está sozinho; não pode mudar em 4 anos o que existe há três décadas.” Etc.

Essas e outras são dignas denotações da estratégia de defesa psicológica, conhecida por racionalização. Se meu conhecimento é insuficiente para consertar a realidade distorcida, logo, finjo não enxergá-la como se apresenta, até crer sinceramente na minha autoilusão, e passo a aceitá-la como normal, adequando-a, assim, ao meu conhecimento delimitado e mentalmente confortável. E a droga deixa de ser vista como tóxica e mortal, passando a ser admitida como tolerável, recreativa senão saudável.

Palavras finais.

Paro por aqui. Não por já ter escrito demais, ou inexistir mais exemplos a serem mencionados. Infelizmente, maus exemplos são inesgotáveis. Sim, porque, para um bom leitor, ou uma boa leitora, presumo que as razões da escalada do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal tenham sido apreendidas: captura do presidente e de seu governo pela ditadura do politicamente correto. Captura no aspecto moral, pela imposição institucional do falso moralismo progressista e intolerante, via corrupções da língua portuguesa e distorções intencionais de contextos. E captura no âmbito jurídico, pela doutrinação acadêmica e banalização dos fatos, da semântica e da lógica, fazendo com que dogmas falaciosos tenham se tornado espécies de mantras sagrados, e palavras e vontades de “especialistas”, adquirido força supraconstitucional.

Contudo, valem dois alentos. Primeiro: não existe vácuo no poder. Quando o presidente da República compreender efetivamente isso, tende a rever suas crenças e a agir como lhe é de direito. A ditadura do politicamente correto é como um cachorro que late e assusta, mas de fato não morde. Até o momento, todos estão paralisados pelo susto do latido infernal, sem notar que a eventual mordida será indolor.

Segundo: tudo no universo é dinâmico, transitório, impermanente. A regra cósmica incide também sobre os sistemas político e jurídico-judicial vigentes. A implosão de ambos é questão meramente temporal, pois o Brasil não está fadado à estagnação eterna. A vitória de Jair Bolsonaro em 2018 fala por si. A conferir.