Conhecimento implica poder? No Brasil, apostaria: não.

Renato R Gomes Administrador

“Em 1620, Francis Bacon

publicou um manifesto científico intitulado Novum Organum [Novo Instrumento], no qual afirmou que “conhecimento é poder”. A real prova do “conhecimento” não é se é verdadeiro, mas se nos dá poder. Os cientistas geralmente presumem que nenhuma teoria é 100% correta. Em consequência, a verdade não é um bom parâmetro de teste para o conhecimento. O parâmetro real é sua utilidade. Uma teoria que nos permite fazer novas coisas constitui conhecimento.” (Yuval Noah Harari. Uma breve história da humanidade. p.270)

Quando li essas palavras do grande historiador israelense, Yuval Noah, não sei por que, veio instintivamente o Supremo Trambique Federal na cabeça. Pensei automaticamente no que os onze supremos vêm fazendo, valendo-se da intocabilidade que conquistaram. Invulnerabilidade que obtiveram por ignorância ou conivência dos outros Poderes, pela certeza que têm de serem inalcançáveis pelo clamor do povo que desprezam, ou, ainda, pela mais do que certeza da impunidade que os blinda…, pouco importam as fontes: os onze estão, de fato, ditando os rumos do país, conforme suas idiossincrasias personalíssimas.

De fato, foi o conhecimento que eles possuem que lhes deu poder? Como o Yuval disse, a verdade não é parâmetro. Quanto a isto, ok. Não apenas porque a ciência sempre a questiona, mas porque, em se tratando de direito e, especificamente, de “direito” brasileiro, os onze semideuses são, conscientemente ou não, verdadeiros e supremos ludibriadores da população e manipuladores jurídicos, a serviço de uma “Justiça” inconcebível em qualquer país do mundo que leve a democracia a sério e, efetivamente, aja como sendo uma.

 Manipuladores de gente do “direito”, amestrada durante a (de)formação acadêmica e cursinhos (des)preparatórios, mas também dos pobres cidadãos leigos e de bem, pelas repetições acríticas de dogmas falsos, retóricos e insustentáveis jurídica e faticamente, que hoje estão entranhados no inconsciente coletivo e induzem subliminarmente leigos e incautos de boa-fé a aceitarem o caótico, angustiante e sufocante status quo como “normal” ou “democrático”.

Agora, será que é a utilidade do conhecimento que os onze possuem a causa do poder que conquistaram e com o qual se lambuzam? Não; menos ainda. A prática suprema evidencia que a utilidade do invejável “conhecimento” que detêm é absolutamente nula. Aí vem uma possível objeção: “Mas, Renato, o historiador disse que, se a teoria permitir fazer ‘novas coisas’, ela constitui ‘conhecimento’ por sua utilidade…” Sem dúvida. Mas entramos noutra avaliação: quaisquer “novas coisas”? Como qualificar objetivamente estas “novas coisas” como espécies de utilidade digna, para consideramos a teoria como conhecimento?

Pra mim, a resposta é simples: constatação empírica, com base na intuição, na percepção instantânea e direta que se obtém da realidade observada. Daniel Kahneman ensina: juízos intuitivos, desencadeados por emoções, tornam-se presumivelmente confiáveis, quando são formados pela correlação imediata de dados que já existem registrados em nossa memória, em função de eventos sucessivos e regulares que vivenciamos, experimentamos e apreendemos ao longo do tempo (ex.: histórico de crimes que nos foi e é informado dia a dia, que testemunhamos ou dos quais fomos reféns) e num ambiente relativamente constante (ex.: território brasileiro). Ou seja, os fatos estão aí à disposição para serem avaliados e interpretados com um grau mínimo e consistente de objetividade (e independentemente de nuances subjetivas), em razão das experiências pessoais de cada um, dentro do contexto brasileiro atual em que estamos inseridos.

 Por exemplo, tanto faz se o sujeito é ideologicamente de esquerda ou de direita, se é pró-bandido ou pró-sociedade. O fato é: na hora do crime, o marginal está se lixando para a ideologia da vítima. E ninguém em sã consciência gostaria de estar em seu lugar. A diferença é que a pessoa de direita não admite a benevolência que a “teoria” de meia dúzia dos “notáveis” tem para com infratores e delinquentes de todas as modalidades, rejeitando, assim, desculpas esfarrapadas e literalmente mascaradas com um “juridiquez” que engana leigos e satisfaz submissos, ignorantes ou amorais interesseiros e supostamente ateus materialistas.

A inutilidade, portanto, é empiricamente incontestável. Se o esquerdista discordar que a teoria bandidólatra é sintomaticamente inútil, devido à sua plena desconexão com a realidade, que justifique, então, a sua opinião discordante, de modo intelectualmente honesto e com base em elementos de fato reais. Talvez, indo passear com a família à noite, pelo subúrbio do Rio de Janeiro ou São Gonçalo, à pé, tirando fotos e postando no Facebook ou Instagram. Certamente, a hipocrisia prevalecerá e a “coragem” de “argumentar” histrionicamente crescerá, tendendo a se confundir com o esperneio manifestado na forma de argumentos ad hominem (desqualificações da pessoa que o contraria).

Ora, se o “conhecimento” das onze “excelências” não tem relação com a verdade jurídica, tampouco com a utilidade socioeconômico, e as teorias que defendem sequer passam perto de criar algo novo produtivo, em benefício da população e da segurança e credibilidade do Direito, chego a algumas conclusões.

Primeira. A afirmação do nobre historiador apenas pode ser comprovada empiricamente em países efetivamente democráticos, que prezam pelo cumprimento das regras, pelo respeito aos valores mais básicos e são intolerantes com ilicitudes. Países onde indubitavelmente há segurança cognitiva (confiança) dos cidadãos no sistema de direito, decorrente da segurança jurídica assegurada pela Suprema Corte.

Segunda. Naturalmente, a afirmação torna-se falsa em Estados ditatoriais e cleptocráticos. Se considerarmos o Brasil como uma “bela” cleptocracia que é, o nexo entre “conhecimento” e “poder” equivale à relação entre “banana” e “maça”: com fome, qualquer pessoa as persegue até comê-las. Mas, em comum, são apenas objetos de desejo, independentes entre si, tal como o são “conhecimento” e “poder”.

Moral da história: enquanto o acesso e a conquista do poder aqui no Brasil não exigirem dos concorrentes, como pressupostos, i) a mínima comprovação de conhecimento útil, bem como ii) o compromisso expresso de aplicá-lo democraticamente (em prol dos interesses da população), submetendo-se a duras sanções políticas e jurídicas em casos de descumprimento, o Brasil  estará fadado à estagnação e ao fracasso.

Recomendações: Daniel Kahneman. Rápido e devagar. E-book kindle; Yuval Noah Harari. Uma breve história da humanidade. 3.ªed., Porto Alegre: L&PM, 2015.