Apego. Apego a bens materiais, a pessoas, às próprias crenças, ao próprio conhecimento. Por que se apegar a algo?
Muitos se apegam intencionalmente a padrões de comportamento, a ideologias, por razões subjetivas diversas: vícios de caráter, de personalidade, visão exclusivamente materialista da vida, experiência de vida, dentre outras.
Em geral, as pessoas sequer percebem que são reféns dos males decorrentes do apego. Mas o que isto tem a ver com o Direito? Digo: tudo! Porque o apego ao próprio conhecimento jurídico e, sobretudo, à ideologia da preferência, faz com que as condutas de juristas, ministros e profissionais do Direito comumente contribuam para que o sistema fique engessado, não evolua, mantenha-se ineficiente, de costas para a realidade crua e nua, e, portanto, avesso ao cumprimento de suas finalidades essenciais (na minha opinião): inibir ilícitos, reprimi-los, e resolver problemas sociais para os quais não haja consenso, pacificando o ambiente.
Fácil deduzirmos que o apego transforma-se em mais uma causa das divergências sobre interpretações jurídicas. E afirmo: ele não apenas justifica os duelos entre teses jurídicas diametralmente opostas e o surgimento eventual de decisões judiciais inadequadas aos fatos, mas, ainda, fragiliza (também sob minha ótica) a credibilidade da doutrina aferrada a ideologias políticas, ou a filosofias e teorias, seculares ou não, que não solucionam, na prática, carências inerentes ao contexto brasileiro, por terem sido criadas e desenvolvidas em realidades sociais completamente distintas da nossa.
Em livro de leitura indispensável (“Os cinco níveis de apego”), independentemente de religião, profissão ou qualquer outro motivo, Don Miguel Ruiz Jr. classificou o apego em cinco níveis, exemplificando-os com situações envolvendo o futebol, para, com clareza, simplificar a compreensão precisa da mensagem pelo leitor. A ideia é totalmente aplicável ao Direito, como a qualquer esfera do conhecimento. Assim como religião, futebol e ideologia política, o modo como o Direito é tratado aqui no país demonstra nitidamente a ligação umbilical entre o comportamento dos especialistas e profissionais da área e o apego às teses e propostas que defendem. Mais especificamente, apego ao conhecimento jurídico que possuem. Vejamos.
Primeiro nível de apego: desapego. O profissional juridicamente desapegado seria aquele que trabalha e constrói teses ou decisões, sem jamais esquecer ou omitir dados da realidade. Ele não está preocupado se o resultado estará identificado com a ideologia X ou Y, ou se foi fundamentado na teoria A ou B. Sabe que o Direito, de fato, deve ser interpretado sistematicamente, como sendo uma unidade. Tem sempre em mente que o Direito é dividido em “ramos” (trabalhista, civil, constitucional etc.) apenas para facilitar o seu estudo. Por isso, tem plena consciência de que o sistema jurídico não tolera a existência de contradições entre interpretações de textos do Direito Penal, com outras do Direito Eleitoral. Ou, no campo do Direito do Trabalho, com outras do Direito Civil. E assim por diante.
O intérprete desapegado deseja simplesmente que o Direito seja eficaz e tenha credibilidade perante os cidadãos. É incapaz de julgar as outras pessoas pelas teses defendidas e opiniões emitidas. Nada, e absolutamente nada, é levado para o lado pessoal. É humilde; está sempre aberto a escutar novas ideias e opiniões, bem como disposto a aprender e aperfeiçoar as suas, ou a mudar de entendimento, se outro se mostrar melhor ou mais pertinente ao contexto. Reconhece o valor do outro, que teve o mérito de apresentar proposta superior à sua, e compartilha da felicidade alheia.
No âmbito do Direito nacional, há desapegados ao próprio conhecimento jurídico? Particularmente, não acredito, por pressupor um grau de espiritualidade bastante elevado, quase inacessível a pessoas mergulhadas no dia a dia na busca de solução de problemas incômodos, e nutridas excessivamente com informações de péssima qualidade, vindas simultaneamente de todos os meios de comunicação. Espiritualidade, junto à blindagem e inteligência emocionais, naturalmente condicionam a postura de desapego. Na melhor das hipóteses, o profissional do direito possui uma preferência ideológica, filosófica ou teórica.
Segundo nível de apego: preferência. Assim como o desapegado, aquele que tem preferência mostra-se sempre aberto a novos conhecimentos, a aperfeiçoar posições pessoais e a substituir a preferência inicial por outra que se apresente mais adequada ao momento. Da mesma forma, é humilde; reconhece o valor do outro e sabe atribuir-lhe os louros pelo sucesso de ter construído a solução jurídica mais eficaz. Também não carrega nada para o lado pessoal. Igualmente, o foco está na produção de um Direito eficaz e confiável.
Qual seria a diferença então do especialista que possui preferência para o teórico desapegado? Os que preferem algo, inevitavelmente, torcerão para que o seu ponto de vista prepondere na solução da questão; o desapegado, não. Não obstante ambos almejarem o mesmo propósito, a preferência denota um grau leve de apego ao conhecimento e uma sutil redução da imparcialidade na análise. O que importa: os dois estão plenamente conscientes de que nada sabem, tal como Sócrates frisou à sua época.
Apostaria que poucos juristas ou profissionais aqui no Brasil se enquadram neste segundo nível. Como identificá-los? O critério que utilizo: capacidade argumentativa sofisticada e qualificada. Sem omissão proposital de fatos, e coragem demonstrada para encarar o desafio de refutar qualquer objeção contrária e com potencial para fragilizar a coerência da tese ou ideologia de preferência.
Terceiro nível de apego: identificação. O sujeito identificado com uma ideologia ou teoria já incorporou uma preferência mais intensa por ela. Já a sustenta mais enfaticamente, adquirindo uma disposição maior para enfrentar uma discussão acalorada. Mas sempre com respeito. Como os dois níveis iniciais, não costuma levar a questão para o lado pessoal. Mas pode fraquejar, em razão de sua identificação com a escolha preferencial, considerada por ele a mais apropriada.
Não obstante, inexiste intransigência. Honestidade intelectual e racionalidade argumentativa são valores dos quais o profissional não abre mão. Consegue reconhecer o mérito da tese ou orientação jurídica alheia vencedora e atribuir-lhe significância. Ainda tem a conscientização de que o seu conhecimento jurídico é limitado. Possui a humildade e sabedoria para rever convicções e substituir pontos de vista que se mostraram juridicamente incoerentes ou menos efetivo para a satisfação das demandas sociais. Apesar de abertos ao novo e a ouvir e considerar opiniões divergentes, a sua identificação ideológica ou jurídica possivelmente começará a afetar negativamente a sua capacidade de raciocínio e argumentação, face à maior influência emocional sobre si, decorrente de um apego mais acentuado a suas crenças e convicções. (Sobre opiniões, convicções e crenças, indispensável: Anthony Robbins. Desperte seu gigante interior. 31.ªed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2017. p.87-128).
Tende, por isso, e inconscientemente, a omitir às vezes fatos do contexto, a admitir alegações com predominância subjetiva ou a não refutar argumentos contrários e consistentes, capazes de ameaçar a solidez da teoria ou ideologia de sua preferência. Por outro lado, quando percebem estes deslizes e notam falhas na sua argumentação, têm a coragem de corrigi-las, mesmo que, para tanto, tenham que rever ideias e posicionamentos. Não agem por má-fé; pelo contrário, querem o melhor para o Direito, em eficácia e ganhos de confiabilidade.
Vejo os que considero como excelentes juristas brasileiros situados numa faixa entre o segundo e este terceiro nível de apego. Compreensível. Muitos vivenciaram o período de ditadura e participaram da transição para o regime democrático de hoje. De acordo com as experiências individuais, natural que se identifiquem mais fortemente com certas preferências, que acreditam ser as melhores opções doutrinárias ou para implementação legislativa, executiva ou judiciária, em prol da sociedade e do desenvolvimento do próprio Direito. Aliás, a quantidade de princípios abstratamente conflitantes colocados na Constituição, por si só, demonstra e explica a força com que preferências ideológicas e jurídicas foram e são encampadas pelos seus defensores especialistas e autoridades. Explica-a (pela relação de causalidade); não a justifica (causalidade é insuficiente).
Quarto nível de apego: interiorização. Aqui, os pilares do Direito começam a ruir. O texto constitucional é desrespeitado ou manipulado pelos próprios especialistas e autoridades. Estes sinceramente creem no conhecimento que adquiriram. Estão fechados ao novo. Entendem que doutrinas clássicas e trabalhadas por excepcionais filósofos e juristas nunca podem ser desconsideradas. O conhecimento conquistado por muita leitura e estudo os domesticou. E, com suas crenças inabaláveis, tentam influenciar, convencer e domesticar os que pensam contrariamente.
Humildade e honestidade intelectual deixam de constar no topo da hierarquia de valores pessoal; se é que constavam. Já tendem, por isso, inconsciente ou mesmo intencionalmente, a omitir fatos da realidade. Valem-se, por hábito, do uso de falácias na construção da própria argumentação, tais como generalizações especulativas ou argumentos terroristas. Subjetivismo, arrogância, sarcasmo, impaciência e tendência à intolerância tornam-se lugares comuns. Não refutar argumentos contrários e consistentes, capazes de ameaçar a solidez da teoria ou ideologia de sua preferência, consolida-se como praxe. Má-fé e consciência, por parte de muitos; boa-fé e inconsciência por parte de outros. Fato é que o Direito passa a ser a vítima: perde em eficácia e credibilidade.
Apostaria que o grosso dos profissionais do Direito, ou a maioria, encontra-se neste quarto nível de apego. Quer impor, a forceps, o seu próprio entendimento e conhecimento jurídico no ensino do Direito predominante nas faculdades, em provas de concurso, pelas decisões judiciais ou via construção doutrinária. Pensar o Direito “fora da caixa”? Nunca! A meta: domesticação geral! Os que se rebelam, por ousarem demonstrar autonomia de pensamento e senso crítico, discordando do professor, da banca, de renomados juristas ou do teor de decisões judiciais incompreensíveis para o senso comum, são reprovados (graduandos e concurseiros que o digam!), pedantemente criticados, ironizados, tachados de vingativos (não é verdade, “povão”?).
Os apegados deste nível “esquecem” que “juristas e juízes não descrevem o que é o Direito, mas, sim, o que os textos normativos dizem”. E, ao fazê-lo, sabem que o propósito verdadeiro deveria ser “moldar e enriquecer o seu objeto de estudo” (o Direito), e, em hipótese alguma, querer “encaixotá-lo” dentro do seu limitado autoconhecimento jurídico. (Riccardo Guastini. Nuevos estudios sobre la interpretación. Ebook Kindle. posições 318-327).
Por que o Direito brasileiro não atende às demandas sociais? Quais as razões de sua inefetividade crônica? Por que o descrédito e as sensações de injustiça, impunidade e incoerência? Mais concretamente: por que defender a edição de um novo código de processo civil também com tantas possibilidades de recorrer indefinidamente das decisões judiciais? Por que juristas que pediram o impeachment de um Presidente da República de outro partido, silenciam-se e acovardam-se diante dos desmandos de políticos integrantes da organização criminosa infiltrada no Estado, sob o comando do partido companheiro?
Argumentos puramente retóricos, tais como “se aceitarmos a violação de uma garantia fundamental hoje [que sequer é demonstrada com objetividade], amanhã teremos as nossas violadas” (falácia da generalização especulativa), ou “o direito penal não serve e não deve se prestar a resolver o problema da criminalidade ou de insegurança pública” (mera opinião ideológica), são repetidos como mantras, voltados à domesticação coletiva. Objetivo? Que o Direito continue sendo controlado pelos “especialistas”, e confundido com o conhecimento jurídico internalizado por eles; conhecimento que, de fato, os domesticou e os fez incapazes de enxergar o mundo real da vida como ela é.
Quinto nível de apego: fanatismo. O apego ao autoconhecimento é inflexível. Não se aceita mais debater questões jurídicas. Há excesso de intolerância. Descambar para a agressão torna-se “aceitável”. Relacionamentos passam a ser condicionados pela existência de afinidade com o próprio posicionamento jurídico, no qual se acredita cem por cento e acriticamente. Argumentos que possam abalar a sustentabilidade da crença são ameaças que devem ser suprimidas a qualquer custo, mesmo que pelo uso de preconceito, da intolerância ou da violência. A vontade do fanático é subjugada pelo seu conhecimento jurídico. A domesticação foi plena. Tão forte que aderiu à personalidade da pessoa. O fanático torna-se um tirano, que tenta igualmente domesticar a todos, para que pensem como ele. “Especialistas” e autoridades que se classificam neste nível de apego não toleram o regime jurídico democrático, porque fanatismo, pluralismo e liberdade de expressão e difusão de ideias são incompatíveis entre si. “Controle social da mídia” para “ontem”!
Há especialistas, profissionais ou autoridades com este nível de apego? Provavelmente. Mas não nos cabe aqui julgar ou apontar um ou outro. Que cada um reflita sobre si e busque o próprio crescimento pessoal, intelectual e, obviamente, jurídico.
Contextualizando o apego jurídico-ideológico. Quando se trata de discussões jurídicas sobre temas polêmicos e, em especial, quando a questão envolvida refere-se à aplicação do direito penal, as opiniões são diversificadas e normalmente carregadas de emoções. Compreensível; afinal, Direito e interpretação praticamente se fundem, porque a solução oferecida implicitamente pelo Direito só aparece após o resultado da interpretação ser apresentado pelo intérprete.
Compreensível, mas nem sempre aceitável, seja socialmente ou juridicamente. Socialmente inaceitável será a resposta do Direito que, segundo a maioria dos indivíduos integrantes da sociedade, em nada contribui efetivamente para resolver ou amenizar o problema em foco. Na verdade, não se trata da resposta do Direito, mas de uma resposta criada pelos ditos “especialistas”, que, valendo-se de suas posições de autoridade ou de experiências marcantes pontualmente vividas, afirmam, com pompa, o que o Direito é. Apego ao autoconhecimento jurídico; sempre ele!
Muitas das vezes, a resposta é aparente, voluntarista, pois, em essência, a solução não se coaduna com o que se espera de um Estado democrático e supostamente de Direito. O caos da segurança pública, particularmente, no Rio de Janeiro, é um exemplo. Ou, melhor, um forte indício empiricamente perceptível de que algo está errado e precisa ser modificado. Ao menos, no que se refere a interpretações jurídicas que refletem o pouco caso dos juristas em relação à situação de insegurança e à frequência com que a criminalidade aflora.
A falta de aceitação social da interpretação jurídica está vinculada, portanto, à evidência de que os dados empíricos foram desprezados pelos intérpretes, que, por razões obscuras, recusam-se a enxergá-los como sinal de que o “direito” que defendem tende a cair em pleno descrédito. É o que chamei de seleção arbitrária do contexto: o intérprete escolhe os elementos de fato que lhe convêm, de modo a dar uma aparência de justificação à interpretação jurídica de sua preferência. É forma de manipulação do Direito, ou i) inconscientemente, pela falta de visão sistêmica, devido a apego cego às próprias convicções e crenças, ou ii) intencionalmente, quando a autoridade se mostra intelectualmente desonesta.
As duas hipóteses ocorrem quando são utilizados o que classifico como argumentos hipócritas, ou seja, os reprovados pelo filtro da realidade. Considero manipulação inconsciente do Direito a insistência de especialistas em repetir, com toda a fé, que “só existe culpa com o trânsito em julgado da decisão condenatória”. O mito da presunção de “inocência”. Não veem, ou se fazem de cegos para não verem, que “culpa” possui conteúdo gradual, que oscila conforme o fato ocorrido (levíssima, leve, média, grave, gravíssima). É regra da linguagem, semântica, sendo indiferente à vontade do intérprete. O sistema jurídico ainda reconhece a gradualidade, negando implicitamente a sua natureza binária, como se a culpa pudesse significar um tudo (existente) ou nada (inocência; culpa inexistente). (Mais detalhes, Renato Rodrigues Gomes. Desmistificando a falácia da “presunção de inocência”. Niterói: Arthe Comunicação Gráfica, 2020.)
Os “especialistas” jamais encaram contradições que não conseguem resolver. E se o indivíduo é preso em flagrante delito? Presumidamente “inocente”, apesar do paradoxo insolúvel e omitido por (quase) todos eles, por serem incapazes de justificar a prisão de um presumidamente “inocente” (semanticamente, de justificação impossível). Como são “especialistas”, melhor, então, ficarem calados, para não se envergonharem perante os cidadãos leigos.
E se denunciado pelo Ministério Público? Presumidamente “inocente”; e, o promotor, um justiceiro, que atua na ilegalidade. E se o juiz de primeira instância o condena? Presumidamente “inocente”; e, o juiz, um perverso e louco, por condenar um “pobre inocente” sem qualquer grau de culpabilidade, contrariando o que determina expressamente a lei (CP,59).
E se a condenação é ratificada em segunda instância? Bem, aqui, como num passe supremo e coletivo de mágica, inicia-se a presunção de culpa. Mágica que, a depender de um de seus responsáveis, será desfeita, por ter se arrependido, ao perceber que sua contribuição prejudicou muitos de seus amigos do peito e irmãos camaradas.
E se o homicida, réu confesso, é condenado pelo tribunal do júri? Presumidamente “inocente”. Tão “inocente” que, se estava algemado, o julgamento corre o risco de ser anulado em recurso. Afinal, o uso das algemas viola a “dignidade” do assassino, não é verdade, STJ ? Na verdade, o STJ apenas reflete o que o guardião da Constituição, o STF, diz ser o “certo”, não é?
Ter cometido uma mera decapitação ou matado por espancamento um tio é fato de somenos importância para justificar o uso das algemas em audiência, não é, caro leitor? Tão comportadinho; quase um “santo”! Que perigo poderia o “pobrezinho” oferecer aos que assistem e participam da sessão do júri? Minha recomendação aos juízes e promotores: façam artes marciais; podem ser úteis para a garantia do direito fundamental à integridade física!
A manipulação da interpretação pode ser ainda mais diretamente agressiva ao sistema de Direito. A Constituição atribuiu expressamente ao legislador o dever de identificar os crimes hediondos (5.º,XLIII) e de individualizar e regulamentar as penas (5.º,XLVI). Há aproximados 20 anos, o STF havia ratificado a validade de duas regras fixadas na Lei 8.072/90: a obrigatoriedade de cumprir integralmente a pena em regime fechado (2.º,§1.º); e a obrigatoriedade de cumprir, ao menos, 2/5 da pena, para que fosse viável eventual progressão de regime. Fundamento da decisão do STF? Que o legislador cumpriu bem o seu papel, conforme a Constituição.
Mas, há 10 anos, o mesmo STF, mudou a sua jurisprudência. Porque ministros se aposentaram e outros os substituíram. Novo fundamento para declarar inconstitucionais as regras legais? Violação do “princípio da individualização da pena”. O que significa este princípio? Digo para você: é construção doutrinária que pode significar qualquer coisa que esteja fora da Constituição. Nesta? Consta tão só a autorização para o legislador criar os tipos penais hediondos, fixar as respectivas penas e dizer como deverão ser individualmente cumpridas. Nada mais.
Ou seja, o STF fez o desfavor de inutilizar as duas principais regras contidas na lei dos crimes hediondos. Para variar, omitindo resposta indispensável a uma fundamentação válida: se a Constituição autorizou o legislador a regular o tema, por que “cargas d’água” o Tribunal invalidou as regras que, anteriormente, o próprio convalidara?
Omissão de fatos, argumentação propositalmente incompleta, menosprezo por regras ideologicamente inconvenientes. É ou não é apego ao autoconhecimento jurídico?
Mensagem final. Prezado leitor, não acredite, sem se autoconvencer, no que especialistas e autoridades dizem sobre o Direito. É opinião, convicção ou crença deles, baseadas no conhecimento deles, sempre limitado por natureza. Ninguém conhece tudo. Construa o seu conhecimento, sem se deixar domesticar. Mas, infelizmente, você terá que seguir as regras atuais do jogo, seja para ser aprovado na graduação, em concurso público ou, talvez, em pós-graduação dirigida por apegados do quarto ou quinto nível. Terá, portanto, que repetir o que os professores dizem na faculdade e nos cursinhos, e o que as bancas de concursos e de pós-graduação querem escutar. Depois de aprovado, aí, sim, você estará tranquilo para aprender “Direito”.