STF mostra “deferência” ao Presidente da República. É sério mesmo?
O decreto do Temer 9246, de 21/12/2017, diminuiu as exigências para que, naquele fim de ano, presos pudessem receber o indulto presidencial da pena, além de ter incluído dentre possíveis beneficiários os criminosos de colarinho branco, em geral, condenados políticos, empresários e “amigos do rei”.
A PGR havia impugnado o decreto pelo acinte de seu conteúdo. A mensagem passada para a sociedade foi a de que “o assalto dos cofres públicos compensa“.
Ontem, 09/05/2019, terminou o julgamento em plenário da questão: por 7 x 4 votos, venceu o decreto bandidólatra temeriano. Fundamento usado pelo STF? É competência constitucional privativa e poder discricionário do Presidente definir o teor dos seus decretos concessivos de indultos a meliantes (CF,84,XII).
Sem dúvida alguma, esse argumento aparenta estar correto, quando se lê miopemente o respectivo artigo da Constituição fora de contexto. Mas, verdadeiramente, não passa de um argumento selecionado “a dedo”, de presumida conivência com ilícitos, que não passa de pura manipulação jurídica. Fácil justificar esta afirmativa. Duas são as razões.
Primeira. O STF não usa igual critério de respeito à competência de outro Poder, quando, por hipótese, o Presidente ou o Congresso decide implementar uma política criminal mais agressiva e contrária a interesses de marginais condenados. É caso de leis legitimamente aprovadas pelo Congresso (CF,22,I), que aumentam penas ou determinam o seu efetivo cumprimento de modo mais rigoroso.
O supremamente “comum” há quase duas décadas tem sido o Congresso Nacional ser censurado pelo Supremo; reprovação expressada na invalidação de leis, via esdrúxulo e arbitrário subjetivismo judicial. Juízos de valor que hipocritamente proclamam o “excesso” (???) ou a “desproporção” (???) dos congressistas no exercício do poder legislativo. E o “direito” penal continua a caracterizar-se como um “não-direito“, encorajador de desordens e ilicitudes criativamente infinitas.
O desprezo pela autorresponsabilidade constitucional (CF,5,II) e legal (LINDB,3; CP,21) é o desvalor moral absoluto que reina a todo vapor na supremocracia. Na novilingua dos “especialistas” bajuladores e que despudoradamente se locupletam do status quo de “normalidade” jurídica patrocinado pelo STF, “desprezo pelas regras” e “inversão proposital de valores” significam “garantia de direito fundamental“. Só não têm coragem de completar: de direito fundamental a “ser irrisoriamente punido” (porque “cadeia não ressocializa”) ou, se possível, a “ficar impune” (por motivos indeclaráveis). Um escárnio!
Outro exemplo que não angariaria a “deferência” suprema: o Congresso resolver extinguir a progressão de regime de pena, fazendo com que estupradores e latrocidas fiquem 30 anos ininterruptos enjaulados, isolados do convívio social.
No contexto jurídico supremamente abjeto atual, seria um “absurdo”: violaria a “dignidade” humana, a “individualização da pena”, e outras mais abstrações retóricas conhecidas por “princípios constitucionais”, de conteúdo vazio e preenchível ao sabor ideológico, da conveniência, ou do interesse inconfessável do “guardião” constitucional.
Segunda. o STF também demonstrou pouco se lixar para o fato de as regras penais estarem sendo banalizadas por ele. Não está nem aí se as regras penais tornar-se-ão socialmente ineficazes ou cairão em descrédito coletivo. Incrivelmente, o Supremo faz-se de cego e ignora estar transformando, com suas decisões socialmente estapafúrdias e juridicamente débeis, a vontade do Congresso Nacional – titular da competência penal e processual penal (CF,22,I) – em um nada.
Na prática, a “deferência” da Corte ao Executivo ou Legislativo dependerá da afinidade que estes Poderes tenham com o grau de tolerância ao ilícito adotado pelo STF e imposto goela abaixo da sociedade pela maioria dos “notáveis”. Quanto maior o paternalismo para com a bandidagem ou a vitimização dos “coitadinhos” demonstrados nas medidas do Executivo e do Legislativo, mais o STF respeitará as decisões políticas tomadas no âmbito das competências constitucionais daqueles Poderes.
Foi o caso do decreto temeriano convalidado: se o marginal foi condenado a 4 ou 30 anos; se o foi por furto simples ou por organização criminosa, corrupção, peculato ou lavagem de dinheiro; se cometeu o crime por fraqueza moral incentivada pelas tentações materialistas mundanas, ou por ser sociopata ou psicopata, tanto faz: bastará já ter cumprido 1/5 da pena para receber a graça presidencial, supremamente aplaudida.
Também foi o caso da invalidação de parte da lei de crimes hediondos, em que proibia a progressão de regime de pena para estupradores, homicidas qualificados, latrocidas, dentre outros “meninos” ou “vítimas da sociedade“, segundo a novilingua orwelliana usada pela grande imprensa para se referir a toda espécie de delinquente.
O fato é: se o decreto reduz a exigência de um cumprimento mínimo de pena ao ponto de gerar indignação popular, é porque ele indiretamente retira a eficácia da decisão penal condenatória, fomentando ainda mais as sensações de injustiça e impunidade no íntimo de cada cidadão de bem. O processo penal e o juiz criminal perdem relevância; a tutela judicial é supremamente minada. O tipo penal transforma-se numa letra morta, não inibindo a conduta criminosa; é regra “para inglês ver”. Praticamente, é como se o crime previsto na lei penal tivesse sido revogado pelo decreto generoso do Presidente da ocasião.
Sugestão: passar na farmácia mais próxima de sua casa, leitor, leitora, e comprar Dramin (para enjoo) e Rivotril (para contenção da ira e amansar o Ego). Contudo, se você de fato crê em Deus ou na perfeição do Cosmo, trago-lhe um alento metafísico: confiemos na Lei Universal da Impermanência, porque nenhum caos perdura eternamente. O desastre jurídico, político e social que vivenciamos no Brasil, e que se presta para a purificação da Alma e evolução do Espírito, está com os dias contados. É minha certeza. Aguardemos os acontecimentos, fazendo cada um de nós as ações que nos cabem, para termos, n’algum dia, uma nação que nos orgulhe.