Educação é direito de todos? “Sim”, mas quem perde é o cliente.

Renato R Gomes Administrador

A Constituição diz que a “educação” é “direito” de todos e dever do Estado e da família (CF,205). Atendo-me

especificamente à educação superior, questiono: é também “direito” de todos e “dever” do Estado? Infelizmente, o Professor Olavo de Carvalho está coberto de razão: proclamação da educação como “direito” de todos foi uma promessa utópica e irresponsável, feita pelos constituintes de 1988. Por quê? Porque, o máximo que o Estado pode fazer por mim e por você, é nos dar oportunidades de acesso a universidades públicas, em igualdade de condições.

Sim, pois o Estado jamais conseguirá abrir a nossa cabeça e empurrar conteúdo adentro e a forceps! No fim das contas, apenas nos deixará teoricamente habilitado a exercer determinadas profissões, para as quais o diploma seja pressuposto indispensável, tal como ocorre com as atividades jurídicas. E só.

Ou seja, acreditarmos que a educação seja, de fato, um direito, implica em nos iludirmos: não há como exigirmos conhecimento do Estado. Conhecimento, cabe ao interessado buscá-lo, com muito estudo, esforço, disciplina, humildade, autorreflexão e prática. Não vem de fora; parte de dentro. Trazendo a ideia para o âmbito jurídico, o que se vê no dia a dia são milhares de bachareis “formados”, com o “canudo na mão”, mas desempregados ou sofrendo para serem aprovados no enganoso – pois não mensura conhecimento real e tampouco avalia habilidades ímpares – exame da OAB.

Porque, dos que obtêm sucesso na prova (cheia de “pegadinhas” perversas e inúteis), apostaria que somente um percentual ínfimo pode ser tido como legítimos Advogados (“A” maiúsculo), com conhecimento da matéria, senso crítico diferenciado, capacidade aguçada de raciocínio e argumentação, excelente capacidade de comunicação escrita e oral e, sobretudo, que pautam suas posturas, condutas e atuações por valores como integridade e honestidade intelectual.

Tais honrosos profissionais, mesmo inconscientes, intuitivamente sabem que é dever de cada um buscar a autoqualificação, para que possam prestar serviço digno às pessoas que deles careçam. Educação, portanto, é uma obrigação exclusiva do cidadão interessado em agregar valor ao próximo, por meio do conhecimento, do discernimento e da sabedoria que conquistara após longos períodos de imersão solitária nos livros, treinamentos, seminários e cursos. Dever personalíssimo, portanto. O Estado, na melhor das hipóteses, oferece-nos ferramentas e meras chancelas formais. Considerá-la “direito” não passa de uma visão preguiçosa e egoísta do fim a que se destina a “educação”.

      Preguiçosa, porque o estudante e – ao término – o bacharel se autoiludem, confundindo o “título” adquirido pela conclusão da faculdade, com o “conhecimento” imprescindível ao exercício da profissão. A finalidade da educação não é a obtenção de reconhecimento pelo diploma. Como se o título, por si só, o livrasse do ônus de se aprofundar nos estudos para se tornar um Profissional respeitado! E, principalmente, como se inexistisse o seu dever jurídico individual de prestar um serviço exemplar a terceiros, o qual necessariamente demanda conhecimento!

     Egoísta, porque, ao ignorar a sua obrigação de estudar e aprender continuamente, faz pouco caso do direito de potenciais clientes a receber um atendimento de primeira linha. Clientes, sim, possuem direitos subjetivos verdadeiros. A ausência de conteúdo significa olhar apenas para si. Denota egocentrismo. A ignorância de quem “recebeu o direito à educação” do Estado agride frontalmente o propósito altruísta inerente à educação, que apenas é conquistada por autoesforço dos que almejam realmente trabalhar com excelência.  Não à toa, uma massa de analfabetos funcionais é lançada anualmente no mercado de trabalho e fica a ver navios…!

Para ilustrar, um caso real e peculiar. Cidadão, órfão de pai, ameaçado pelo padrasto, sai de casa na adolescência. Vida sofrida. Mãe morre. Empresa falida e dívidas herdadas. Procura Advogado “para ontem”. Aparece-lhe um “adevogado”. Assina contrato de honorários, com previsão de pagamento mensal de 1400 reais, mais remuneração suplementar por êxito em ações extras eventualmente ajuizadas. Aproximadamente 1 ano após o contrato, o “adevogado” sugere residir num imóvel do cliente, como forma de compensar os honorários mensais. “Toma lá, dá cá”. Cliente topa. Contrato de aluguel compensatório assinado. Vencido este contrato, “adevogado” se recusa a deixar a casa. Cliente contrata, agora, um Advogado, e propõe ação de despejo. “Adevogado” contra-ataca: ingressa com ação de execução de honorários, pedindo 1 milhão e meio de reais. Disse ao juiz que nada recebera do cliente, além de ter omitido o fato de ter firmado contrato de aluguel compensatório. Incrivelmente, ainda consegue gratuidade de justiça.

Você, leitor, leigo, pode se perguntar: o que pode acontecer com um “adevogado” dessa espécie? Digo: a impunidade é a regra. Creio que nada juridicamente lhe acontecerá. O que vier a favor do cliente, e se nenhum prejuízo ele causar a outros, será “lucro”. Mas, para alento do cliente, tão só a leitura de sua defesa, preparada pelo novo Advogado, foi suficiente para agir como um bálsamo emocional! Não significa que vencerá a batalha judicial; do judiciário, tudo se pode esperar, porque a insegurança jurídica também é “normal” por essas terras, principalmente em primeira instância.

Transcrevo, então, em homenagem aos Advogados, verdadeiramente educados, a impugnação dos argumentos levianos do “adevogado”. Que o bom Direito, ao final, prevaleça. (Mudo o nome das partes, por questões de privacidade, não obstante o processo ser público.)

“EXMO. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DO FORUM REGIONAL DA BARRA DA TIJUCA – COMARCA DA CAPITAL – RJ

      Processo 0030926-21.2017.8.19.0009

Cliente, na qualidade de inventariante do espólio de “sua mãe” e de também executado, por seu advogado legalmente constituído, em face dos argumentos expostos na petição inicial, às fls.03-12, opõe EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE,  com base nas provas pré-constituídas anexas e nas evidências inequívocas de má-fé do exequente e, destarte, de lide temerária, uma vez que, para embasar a sua absurda pretensão, o sr. “adevogado”, não apenas manifesta seu potencial criacionista irresponsável, como, sobretudo, OMITE FATOS RELEVANTES, buscando induzir esse r. julgador a erro, deixando nitidamente a entender que é o “mocinho” da história, e o executado, um “vilão malvado e irresponsável”, conforme se passa a demonstrar.

 DO PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DO EXEQUENTE

        Preliminarmente, mostra-se evidente contrassenso um advogado pleitear 1,5 milhões em indenização por serviços prestados, e, paradoxalmente, não possuir dinheiro para custear um processo judicial. Por quê?

Simples. Dois motivos. Primeiro. Presume-se que o advogado, que tenha honorários desse montante a receber, seja um profissional muito bem requisitado e, naturalmente, bem-sucedido.  Caso contrário, há que se presumir que o cliente estivesse psicologicamente afetado, a concordar com tal valor completamente desajustado ao conteúdo do suposto serviço prestado.

Segundo motivo. O advogado, conhecedor do funcionamento da justiça e do sistema tributário brasileiro injusto, por teoricamente não possuir renda fixa mensal, facilmente consegue forjar um status pessoal que possa beneficiá-lo com a gratuidade de justiça. Como, regularmente, a parte somente faz mera declaração de hipossuficiência e, em caso de falsidade ideológica descoberta, a impunidade tende a ser certeira, para uma pessoa amoral, vale o risco. Afinal, o custo-benefício é compensatório.

Com efeito, o benefício da gratuidade de justiça deve ser revogado e negado ao exequente.

 O EVIDENTE ABSURDO DO VALOR COBRADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS

       O exequente pretende receber R$ 1.588.806,60.  Na ótica dele, seria o valor corrigido de parcelas de R$ 1.400,00 não-pagas, durante o período em que vigorou o contrato de prestação de serviços advocatícios, firmado com o excipiente, de 31/07/2012 a 01/08/2017, acrescido de outros patrocínios avulsos, em caso de êxitos. Ou seja, teoricamente, negou o recebimento de honorários de 60 parcelas de 1400 reais, o que implica, nominalmente, no montante de R$ 84.000,00, bem como afirmou ter obtido êxitos extras.

Apenas num piscar de olhos, nota-se que a “atualização” do valor “não fecha”. Considerando-se que nenhum pagamento houvesse sido efetivado (o que é mentira, como será logo provado), é matemática e juridicamente impossível transformar-se 84 mil em 1 milhão e meio de reais, em menos de 5 anos, levando-se em conta tanto a estabilidade da moeda e o índice de atualização monetária vigente (IPCA-E), como a vedação legal de cláusulas contratuais leoninas, que eventualmente permitissem tal tipo de “milagre”, fazendo que uma parte contratada, prestadora de serviço, enriqueça sem causa, em detrimento da parte contratante, normalmente, cliente necessitado de orientação profissional, face a alguma dificuldade na vida.

Pois bem. O que fez o exequente, maliciosamente, para transformar 84 mil, em 1,5 milhões? Olhando a esdrúxula tabela de cálculos às fls.31 e ss., nota-se que ele contou, a partir da respectiva data de vencimento de cada parcela de 1400 reais, o número de dias de atraso, multiplicando-o por 15 reais. Isto é, para cada dia de atraso, incidia sobre os 1400 reais mais 15 reais! Ou seja, mais de 1% ao dia, correção que sequer instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito fazem aqui no Brasil!

Quanto a honorários extracontratuais, o exequente-excepto não obteve qualquer êxito que justificassem os abusivos 417 mil reais e quebrados.

Evidente, portanto, que, na teoria, no mínimo, haveria excesso de execução! Ocorre que, de fato, inexiste qualquer débito do excipiente para com o excepto. Comprovemos.

DAS MENTIRAS E OMISSÕES DOLOSAS DO EXEQUENTE

 Mentira 1. O exequente disse que o executado nada pagou.  Todavia, conforme os recibos anexados a esta petição, o excipiente-executado pagou os valores de R$ 1000,00, nas datas de 16/08/2012, 05/09/2012, 10/10/2012 e 29/11/2012. Ou seja, recebeu 4 mil reais, por 4 meses (ago-nov.2012).

Mentira 2. Agora, o exequente demonstrou realmente a sua índole: omitiu ter firmado um contrato de locação residencial COMPENSATÓRIA com o excipiente-executado, pelo prazo de 36 meses, no período de 01/03/2013 a 01/03/2016. O locador era o executado, Cliente; o locatário, o exequente [“adevogado”]. Valor do aluguel: 2 mil reais.

Ou seja, o exequente [“adevogado”] não pagava o aluguel de 2 mil reais ao executado [Cliente], porque o valor correspondia aos honorários mensais pactuados entre ambos. Elas por elas. Conclusão: inexiste qualquer dívida de honorários, correspondente ao período do contrato de locação residencial compensatória, entre 01/03/2013 e 01/03/2016. (contrato de aluguel anexo)

Mentira 3. Não bastassem as duas mentiras anteriores para desfigurar a pretensão do exequente, este, mais uma vez, fazendo questão de reforçar a sua índole, omitiu desse r. julgador que está sofrendo ação de despejo do imóvel pertencente ao executado, pois, apesar de o contrato de honorários ter-se encerrado em dezembro de 2017, desde então o exequente jamais pagou o aluguel de 2 mil reais do imóvel locado, furtando-se, todavia, com flagrante inidoneidade moral, em devolvê-lo ao executado, que, hoje, carece de residência própria para residir. O processo de despejo tem o número 0021005-04.2018.8.19.0209. (petição inicial da ação de despejo anexa)

Em suma, considerando o término do contrato de prestação de serviços advocatícios, em dezembro de 2017, até a data de hoje, contam 10 meses de atraso, totalizando R$ 20.000,00 de dívida do exequente para com o executado neste momento (out.2018).

Percebe-se, portanto, que, se há crédito a receber, este, quem o possui é o excipiente-executado [cliente]; de modo algum, o excepto-exequente [“adevogado”].

CONCLUSÃO

      Pela argumentação exposta, lastreada nas provas pré-constituídas anexas, o executado-excipiente, por seu advogado, requer a V.Exa.

  1. A revogação da gratuidade de justiça, deferida inicialmente ao exequente, face à flagrante má-fé e proposição de lide temerária;
  2. A extinção desta execução de título executivo extrajudicial, em vista da sua inexistência jurídica e fática de dívida correspondente a título executivo que a embase;
  3. A condenação do exequente por ter deflagrado lide temerária;
  4. A condenação do exequente ao pagamento de honorários advocatícios ao executado-excipiente, nos termos do novo CPC/2015;
  5. A notificação da OAB/RJ para apurar a atuação irresponsável do exequente no exercício da profissão, afrontosa ao código de ética advocatício e à lei processual civil.

Seguem anexos a esta petição:

  1. Recibos de pagamentos de 1 mil reais feitos, de ago a nov.2012;
  2. Cópia do contrato de locação residencial compensatória com honorários advocatícios;
  3. Cópia da petição inicial da ação de despejo em face do exequente;
  4. Cópia da procuração que comprova o encerramento da prestação de serviços de honorários pelo exequente, em dez.2017.

Espera deferimento.

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2018.

Advogado-OAB-RJ”

“Dizer verdades é sempre perigoso. Mais perigoso ainda quando essas verdades contrariam os ídolos do coração e os fetiches da sociedade. Perigosíssimo, quando a inteligência é suplantada pelo coração (…).” Huberto Rohden. Paulo de Tarso. São Paulo: Martin Claret, 2011.