Parcelamento tributário envolve questão jurídica séria e naturalmente desprezada pelo Executivo e Judiciário.
Em artigo publicado em 02.04.2017 (“PRT é oportunidade e risco, pois não permite redução de multa e parcelamento”), Sylvio César Afonso fez análise interessante sobre o recente Programa de Regularização Tributária, criado pela Medida Provisória n.º 766, de 04/01/2017, o qual abre oportunidade a pessoas físicas e jurídicas regularizarem suas pendências com a Fazenda Nacional, via adesão a novo regime de parcelamento da dívida.
O propósito da medida – como bem frisou o autor – visa a estimular empresas em dificuldades econômicas a legalizarem a respectiva situação fiscal irregular, sem o comprometimento do seu caixa, pois as autoriza a compensar prejuízos fiscais e créditos a receber da União, além de permiti-las o pagamento do débito em até 120 parcelas, nos termos estabelecidos pelo texto normativo.
Mas, em um dos parágrafos, o articulista foi parcialmente infeliz em seu comentário, quando disse genericamente:
“Contudo, a adesão a esse programa deve ser analisada com cuidado e com bastante rigor, já que, ao contrário dos programas de parcelamento anteriores, não poderá haver redução de multa ou juros, além destes não poderem ser parcelados novamente no futuro.”
Por quê? Porque, de modo genérico, quase que recomendou expressamente a contribuintes em débito com o fisco a não aderirem ao novo PRT, pelo fato de não haver previsão de reduções de multas ou juros, como havia em programas de parcelamentos anteriores. Qual é o problema deste alerta?
Simples: implicitamente – sem má-fé, presumo obviamente – deixa a entender que os contribuintes que pagam em dia os seus tributos são verdadeiros otários! Para que pagar tempestivamente, se já virou rotina os Governos de ocasião, loucos para aumentar sua arrecadação, criarem regimes jurídicos para pagamento parcelado de dívida tributária, em prazo a perder de vista, com reduções de multas e juros?
Ora, a criação de programas de parcelamento com reduções ou extinções de multas ou juros é uma espécie de afronta à inteligência e à boa-fé dos que cumprem seus deveres tributários regularmente, porque trata de modo mais benéfico contribuintes inadimplentes em razão de algum infortúnio empresarial, ou mesmo contribuintes intencionalmente sonegadores, se comparados àqueles em dia com suas obrigações fiscais. Estes, pagam o imposto à vista e até a data de vencimento; aqueles, não o pagam, usam o dinheiro que seria da Fazenda Nacional em causa própria e, não bastasse, ainda têm a chance de quitar a dívida em uma infinidade de parcelas, descontadas multas ou juros! Data venia …
Dificuldades financeiras não podem servir de pretexto para a edição de leis que desprezem o dever do Estado de tratar (des)igualmente contribuintes em situações (des)iguais (CF,150,caput,II). Nunca é demais lembrarmos que a ninguém está autorizado alegar que desconhece o direito, para justificar eventual conduta antijurídica praticada, intencionalmente ou não (LINDB,3.º). Tanto os empresários, quando planejam a constituição de sociedade empresarial, quanto os profissionais liberais ou autônomos, quando decidem o quanto cobrarão pelos seus serviços, têm por dever profissional considerar, hipoteticamente, as despesas tributárias que assumirão em função das atividades exercidas.
Portanto, pessoas jurídicas e profissionais autônomos não têm o que pensar: por razões morais e jurídicas, devem aderir ao recém-criado PRT.
Falei que o comentário foi parcialmente infeliz. Qual a parte feliz, então? Considero que o parágrafo teria sido preciso se fosse endereçado apenas aos contribuintes assalariados, pessoas físicas, cujos impostos sobre a respectiva renda (IRPF) já ficam retidos pelas fontes pagadoras (IRRF).
Aqui no Brasil é mais do que notório que assalariados não possuem renda real, passível de tributação. As remunerações mensais, quando não utilizadas apenas para a sobrevivência, permitem, no máximo, uma vida digna de classe média (salvo alguns servidores públicos com padrão remuneratório “fora da curva”, por motivos escusos, que não vêm ao caso neste momento)!
Isto vale inclusive para os servidores públicos mais bem remunerados, que trabalham, em geral, com dedicação exclusiva, estando muitos deles impedidos de ampliarem honestamente os seus rendimentos, em virtude de proibições legais de exercerem outras atividades nos horários livres, fora do expediente regular, mesmo que inexistam incompatibilidades com suas atribuições funcionais!
Seus salários vêm, de antemão, reduzidos de 27,5%, pela retenção do IRPF e, ainda, por ocasião da declaração de ajuste anual, ficam impedidos legalmente de abaterem despesas integrais com educação, remédios, transportes, dentre outros gastos ou investimentos indispensáveis à manutenção de sua dignidade (CF,6.º)! Nítido confisco indireto, se levarmos em conta a péssima qualidade dos serviços públicos essenciais disponibilizados pelo Estado, obrigando o contribuinte a custeá-los do próprio bolso, e agravado ainda mais com a recusa do Governo de atualizar anualmente a tabela do IRPF, a qual fixa as deduções da base de cálculo do referido imposto!
Acredito que o alerta do articulista, para que o contribuinte pense bem antes de aderir ao novo PRT face à inexistência de reduções de multas e juros, deva valer somente para as pessoas físicas assalariadas, sujeitas ao imposto de renda retido na fonte, que, por algum motivo, esteja em dívida com o fisco, por força da lei tributária injusta, mas válida.
Paradoxalmente, este é o tipo de contribuinte que pode ser considerado duplamente penalizado pelo sistema tributário: paga imposto sobre a renda, sem possuí-la verdadeiramente (salário não é renda); e ainda é confiscado indiretamente, por uma tributação cada vez mais alta a cada ano, devido ao congelamento da tabela de deduções do IRPF, que obsta legítimas deduções! Está aí: desrespeito constante ao princípio da capacidade contributiva, como exemplo flagrante de que nossa Constituição é predominantemente nominal, em matéria tributária que envolva interesse de contribuintes pessoas físicas assalariadas!
Aguardo o dia em que o STF terá uma postura legitimamente ativa na defesa de contribuintes assalariados, como o teve, de modo constitucionalmente questionável, ao invalidar recentemente a cobrança da COFINS sobre o faturamento da empresa, quando não estiver descontado o dinheiro para pagamento do ICMS!