Caro leitor, estimada leitora, cidadãos íntegros e quites com seus deveres legais:
imagine-se estudando árdua e disciplinadamente há dois anos ininterruptos para um concurso público de seu sonho. Perceba as sensações vivenciadas durante todo o período: cansaço, ansiedade, angústia, empolgação, irritação, e outras possíveis que um estudante determinado e persistente conhece bem.
Pense também nos sacrifícios feitos durante esse tempo de dedicação quase que exclusiva à conquista do objetivo maior da aprovação: investimentos financeiros muitas das vezes além das possibilidades do momento; horas de sono perdidas; abdicação do lazer e de relacionamentos sociais; pouco tempo dispensado para a esposa, o marido, os filhos, os amigos, dentre outros.
Coloque-se, agora, fazendo a prova. Sinta as emoções positivas enquanto lê e responde as questões. Note a sua autoconfiança crescer por saber solucionar grande parte das questões. Mas, de repente, você se depara com uma questão específica irrespondível, porque, objetiva e nitidamente, as opções de múltipla-escolha não trazem qualquer gabarito aceitável. Sinta a apreensão da ocasião, a preocupação com o prejuízo que a questão errada poderá lhe acarretar na classificação geral. Prova encerrada e entregue ao fiscal. Visualize-se comentando com outros concursandos sobre o erro crasso da questão.
Ponha-se, neste instante, aguardando o resultado final da prova ser divulgado. Você está nervoso ou tranquilo? Está ansiosa ou relaxada? Sai a lista de aprovados: dos 1800 candidatos para 250 vagas, você e alguns outros concorrentes fazem uma descoberta dolorosa: deixaram de estar classificados dentre os 250 exatamente por causa daquela “questãozinha” errada. Ou seja, um suposto erro de digitação da questão jogou por terra a materialização de um sonho; transformou seus altos investimentos no estudo em uma despesa vultosa. Porque você sabe, no íntimo, que não foi aprovado por falha humana de terceiro: da pessoa que elaborou e redigiu a questão viciada. Fim do mapa mental; de volta à realidade.
Infelizmente, é caso real. Efeito decorrente da questão errônea? Judicialização do problema. MPF ingressou com ação civil pública para anular não só uma, mas três questões com erros teratológicos. Candidatos também acionaram a Justiça. Dentre as provas produzidas, uma é irrefutável: o responsável pela elaboração das questões impugnadas reconheceu expressamente que houve erro de digitação quando da tradução do inglês para o português. De modo inequívoco, disse ser favorável à anulação das questões.
Não obstante, incrivelmente, a controvérsia que teoricamente estaria para ser finalizada na sétima e na oitava turmas do TRF2, com a anulação das questões e o consequente ganho da causa pelos lesados, devido à confissão explícita do formulador das questões ora manifestada na declaração de que o erro de fato existiu, teve desfecho surpreendente, juridicamente paradoxal, típico da abominável loteria judicial.
A oitava turma disse expressamente: “Se a própria banca examinadora reconhece o erro na formulação da questão, não se pode fechar os olhos para tal constatação ao simplório argumento de que o referido erro não influiria na análise do enunciado pelo candidato.” Em suma, os desembargadores da oitava turma reconheceram que o candidato não pretendia rever o mérito do gabarito, mas, sim, o conserto de uma ilegalidade que impediu a sua aprovação e, daí, que se mostra flagrantemente danosa financeira e psicologicamente. Decisão conforme o posicionamento do STJ e STF, diga-se de passagem. Consequência? Candidatos antes reprovados em função do erro foram declarados aprovados.
Contudo, na sala vizinha, a maioria dos desembargadores da sétima turma agiu como se estivesse em marte: passou literalmente por cima da prova mais robusta (declaração do erro pela banca examinadora) e da jurisprudência dos tribunais superiores, simplesmente indeferindo o pedido de anulação das questões. Argumento? O de conveniência subjetiva, ao sabor do humor, sabe-se lá por qual razão de fundo. Para “suas excelências”, a matéria cobrada na questão constava no edital do concurso e, por isso, “erros de gabarito“, por suposta incompatibilidade dos mesmos com o teor da obra literária usada como referência para a elaboração das questões, não cabe ao judiciário os corrigir (processo judicial 0145256-48.2013.4.02.5101, acórdão às fls.2342-2364). Efeito? Candidato que estaria aprovado caso inexistisse o erro confesso da banca examinadora continuou reprovado por exclusiva vontade infundada de juízes que abusiva e impunemente contornaram a realidade comprovada. Igualdade de tratamento? Presumo que o TRF2 não se preocupa muito com esta “pequena” norma constitucional. Fica a cargo da loteria judicial.
Chamo atenção aqui, leitor, leitora, para uma atitude que lamentavelmente é comum no âmbito judicial e – pasmem – na doutrina: a manipulação seletiva e arbitrária do contexto pelo julgador ou intérprete, na tentativa de justificar seu “entendimento” juridicamente injustificável. Racionalização pura e simples, imposta como se fosse fundamentação.
Todavia, só se faz isso por dois motivos: i) a cultura argumentativa implantada – talvez, inconscientemente – pelas jurisprudências do STJ e do STF, que, em sintonia, legitimam “fundamentações” omissas ou incoerentes, ao dispensarem os magistrados de rebaterem objeções das partes vencidas e que evidenciem a fragilidade de seus “entendimentos”; ii) a certeza da impunidade dos juízes, devido à regra fixada na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN,41), a qual, em síntese, diz que o juiz é impunível por sua interpretação ou decisão.
Traduzindo: como são os próprios juízes que interpretam o texto do art.41 da LOMAN, eles “entendem” implicitamente também estarem protegidos contra punições, mesmo que suas “interpretações” ou “decisões” sejam respaldadas em argumentações objetiva e juridicamente absurdas, contraditórias ou empiricamente insustentáveis.
Atuam, portanto, em causa própria, com o beneplácito das Cortes Superiores. E azar dos cidadãos violados em seus direitos pelo próprio Judiciário! Paradoxo tupiniquim tido por “normal” e “democrático”. Afinal, como é de praxe ouvirmos dos juízes “democratas”: “Se não gostou, recorra, doutor; é o meu ‘entendimento’; não vou mudá-lo.” O silêncio dos “especialistas” a respeito de tais idiossincrasias fala por si.
Por ora, o candidato lesado financeira, moral e psicologicamente pela insegurança jurídica patrocinada pela sétima turma do TRF2, aguarda que o STJ resgate a seriedade no trato do dever constitucional de motivação das decisões judiciais (CF,93,IX) então vilipendiado pela referida turma, revertendo, assim, a decisão acintosamente antijurídica.
Como alento, digo o seguinte ao nobre e valente candidato: livre-se de sensações de angústia ou injustiça; nada é acaso na vida. Também não crie expectativas e nem viva em função delas; aceite e agradeça o resultado final, porque independe de sua vontade e está fora de seu controle. Viver é aprender – normalmente, com a dor – e evoluir – com as lições assimiladas e transformadas em conhecimento, com o qual desenvolvemos nosso discernimento, que pressupõe a sabedoria. Aguardemos o desenrolar da história.
Dicas de leitura: 1) Ryan Holiday. O obstáculo é o caminho: a arte de transformar provações em triunfo. 2) Jacob Petry. Grandes erros: 21 atitudes que você deve evitar para ter sucesso na carreira e na vida. 3) Pema Chödrön. Quando tudo se desfaz. Orientação para tempos difíceis.